A Intimação como meio processual de urgência para a protecção de direitos, liberdades e garantias surgiu após a reforma constitucional de 1997 a fim de revolucionar o quadro de processos urgentes, fazendo surgir mecanismos próprios que tutelassem outras situações de urgência, para além daquelas situações que os tradicionais procedimentos cautelares já previam. Este novo mecanismo surgiu, assim, na tentativa de responder a necessidades e reivindicações já muito debatidas, que se demarcavam pela exigência de celeridade e prioridade, mas acima de tudo novas formulas que fizessem abandonar o recurso a providências cautelares que não pudessem ser eficazmente tuteladas através dos meus processuais principais, pois essa tutela pretende-se consagrar num meio simultaneamente principal e urgente. É o que está em causa na Intimação de protecção de direitos, liberdades e garantias, isto é, uma protecção definitiva e a título principal que promove uma rápida e eficaz tutela final e não, como até então, uma tutela provisória e de carácter acessório.
Como se pode verificar, decorre, pois, da CRP a consagração da Intimação de protecção de direitos, liberdades e garantias (art. 20.º n.º 5 CRP), muito embora seja o CPTA (artgs. 104.º-111.º) a concretizá-lo como uma forma, e talvez a mais adequada, de o particular ver acautelado em Tribunal a celeridade e prioridade de defesa dos seus direitos, liberdades e garantias que alguma vez fossem preteridos por parte da Administração. O objectivo foi, assim, a garantia plena da tutela judicial Administrativa, essa que asseguraria preferente e sumariamente a protecção de tais direitos, ao mesmo tempo que se daria cumprimento à CRP e respectivas Convenções Internacionais que vinculam Portugal. Em conformidade com o art. 20.º n.º 5 CRP, este meio processual não tem natureza meramente cautelar, antes concretizando o direito a processos céleres e prioritários, de forma a obter, por decisão de mérito, uma eficaz e atempada protecção contra violações de direitos, liberdades e garantias.
Por outro lado, pode fazer-se referência à via de amparo presente em países como Espanha, Suíça ou Alemanha, como um instituto semelhante à nossa Intimação de direitos, liberdades e garantias, ainda que muitos não admitam tais semelhanças, dado que a existir, de facto, um sistema de amparo, segundo alguns, isso implicaria uma dificuldade de harmonização entre este recurso de amparo e o recurso concreto de constitucionalidade de normas jurídicas que já permite, de alguma forma, a protecção de direitos fundamentais dos cidadãos nacionais, assim como o receio de que o Tribunal Constitucional fosse inundado com este tipo de recursos que poderia prejudicar a eficácia e operacionalidade daquele Tribunal, ou, mesmo, eventualmente, dificuldades que surgiriam no relacionamento do Tribunal Constitucional com os restantes Tribunais. Apesar disso, e em particular, no caso alemão o Verfassungsbeschwerde ou recurso de amparo encontra-se regulado na parte IX da Bundesverfassung der Bundesrepublik Deutchland (Constituição da República Federal Alemã) correspondentes aos artgs. 92.º-104.º. Aí podemos analisar que este recurso é especial e limitado quanto ao seu objecto, já que destina-se apenas a pretensões que tenham como finalidade a restauração de direitos fundamentais ou de liberdades públicas, condenado, para tanto, uma entidade pública sobre a sua actuação/omissão, em virtude da violação activa/passiva, actual ou iminente daqueles direitos/liberdades § 93 Absatz 1, Nr. 4a. Como uma faculdade que assiste aos particulares, este procedimento especial poderá ser optado pelo particular em prol do procedimento administrativo ordinário, podendo ainda interpor simultaneamente ambos, mas não sucessivamente. Contudo, dever-se-á esgotar qualquer uma das outras vias que assistem o particular, antes de partir logo para esta via especial, cabendo ao Bundesverfassungsgericht ou Tribunal Constitucional Federal alemão apreciar o seu deferimento ou não § 93 Absatz 2.
De regresso, agora, ao Contencioso Administrativo português, deve, também, acrescentar-se que o conceito de Intimação foi introduzido em 1984/85, ainda que com uma grande diferença relativamente ao actual sistema, no tocante, sobretudo, aos seus efeitos, já que nos anos 80 e meados dos anos 90 apenas existia a suspensão da eficácia dos actos administrativos, o que não acrescia em nada, pois como era considerado instrumento acessório de processos de anulação de actos administrativos, só se adquiriria uma tutela cautelar efectiva nos casos em que o interessado se opusesse a uma inovação de conteúdo lesivo que houvesse sido introduzida por acto de conteúdo positivo, pois num acto de carácter negativo, não seria já capaz de proporcionar essa tutela cautelar efectiva.
Relativamente à caracterização e pressupostos para apresentação do pedido de intimação, temos que é sempre obrigatório a existência de um advogado em processos de competência dos Tribunais Administrativos art. 11.º CPTA. A legitimidade activa, por sua vez, caberá àquele, pessoa singular/colectiva (art. 12.º n. 2 CPTA), que alegar e provar sumariamente a ameaça de lesão de um direito, liberdade, garantia através de uma acção/omissão, jurídica ou material, de entidades que executem funções materialmente administrativas (Concessionários) e que requeira a intimação singularmente ou em coligação. Caso o Ministério Público queira intervir por via da acção pública, por exemplo não lhe cabe legitimidade, dado que a acção de intimação é de carácter subjectivo, constituído por direitos estruturalmente individuais, que não se confundem com direitos de fruição colectiva de bens inapropriáveis, o que equivale a dizer que não há legitimidade popular para intentar pedidos de intimação. Assim, a legitimidade passiva encontra-se do lado da Administração e dos Concessionários art. 109 n.º 1 e 2 CPTA.
A competência para tomar conhecimento dos pedidos de intimação em 1ª Instância cabe aos Tribunais de Círculo art. 44.º n. 1, 1ª parte ETAF; enquanto na competência territorial no Tribunal onde deva ter lugar o comportamento ou a omissão pretendidos art. 20.º n. 5 CPTA. Para apresentar o pedido não há prazo. O objecto do pedido poderá ser um de 3:
I. Condenação da Administração à emissão de um acto administrativo ou cessação de efeitos deste;
II. Condenação da Administração à adopção de uma conduta material, ou à abstenção de uma conduta igualmente material;
III. Condenação da Administração à emissão de um regulamento de execução, ou na revogação substitutiva de uma regulamento de execução ilegal, de modo a prevenir ou a fazer cessar a violação de uma direito, liberdade ou garantia do particular.
Em termos de caracterização deste meio processual, verificamos que para que seja decretada a intimação, terá o requerente de provar e alegar, ainda que sumariamente, que só a procedência de pedidos de intimação lhe proporcionará a plenitude do exercício do seu direito. Não basta alegar a dificuldade ou impossibilidade de exercício daquele direito, deve provar, que sob pena de perda irreversível de faculdades de exercício daquele ou mesmo desaparecimento do direito no seu todo, a intimação visa garantir o exercício do direito no tempo justo. Trata-se de uma condição sine qua non que implica uma ponderação de interesses e valores públicos e privados, não bastando assim a mera exigência de forçar a Administração a agir.
Por fim, somente a título exemplificativo, tomemos em linha de conta o conhecido caso de 2004 do Barco holandês Women on Waves. Este caso foi objecto de indeferimento por parte da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra a 06 de Setembro de 2004, pelo facto de não se ter comprovado o carácter indispensável de tal medida para o exercício do direito alegado. Os autores neste processo não conseguiram demonstrar que só a precedência do pedido lhes proporcionaria a plenitude do exercício dos seus direitos de expressão, de reunião ou de manifestação que alegaram, mostrando, que de facto, a indispensabilidade, como condição de admissibilidade da Intimação, é de extrema importância. Neste âmbito, é da competência do Tribunal a análise caso a caso, de acordo com os dados levados a Tribunal pelas partes, dessas circunstâncias, o que muitas vezes não é fácil demonstrar, como foi este o caso.
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