terça-feira, 24 de maio de 2011

Providências Cautelares: características e pressupostos

Providências Cautelares: características e pressupostos

De acordo com o disposto no art. 112º, nº1, do CPTA, o processo cautelar tem uma finalidade própria que é assegurar a utilidade da lide de um processo principal que normalmente é mais longo porque implica uma cognição plena e evitar que, por via disso, o interessado seja colocado numa situação de facto consumado ou numa situação em que o volume ou a qualidade dos prejuízos sofridos inviabilizem a possibilidade de reverter à situação em que se encontraria caso a ilegalidade não tivesse sido cometida.
E, porque assim é, o processo cautelar não só tem natureza precária — visto regular provisoriamente os interesses envolvidos no litígio que irão dar origem ao processo principal — como depende “da causa que tem por objecto a decisão sobre o mérito, podendo ser intentado como preliminar ou como incidente do processo respectivo”, sem prejuízo da sua tramitação ser autónoma em relação a este (vide artigo 113°, n°s 1 e 2 do CPTA).
São características das providências cautelares:
  1. provisoriedade (vigoram enquanto o processo principal não for decidido — cfr artigo 124° do CPTA-;
  2. instrumentalidade (visam assegurar que a decisão a proferir acção principal possa ter utilidade) ;
  3. sumariedade (que se traduz num conhecimento sumária da situação de facto e de direito próprias dos processos urgentes, visto os juízos definitivos sobre o litígio serem realizados no processo principal).
Os critérios de que depende a concessão de todas as providências cautelares encontra-se plasmados no artigo 120° do CPTA (com excepção das situações previstas nos artigos 132° n°6 e 133°, n°2 ). Nos termos da alínea a) do n°1 do mesmo preceito, a providência cautelar deve ser concedida, sem necessidade de mais indagações, se for evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal.
A apreciação do direito invocado que é feita em sede de processo cautelar é sempre uma apreciação sumária e perfunctória do direito. Não se impõe em sede de providência cautelar que se aprecie do mérito da acção principal, essa sim destinada a apreciar e decidir da existência ou não dos vícios do acto normativo visado. Em suma, é de aplicar o critério previsto na alínea a) do n°1 do artigo 120° quando a ilegalidade da norma a afastar é manifesta, resulte de forma evidente e segura sem necessidade de qualquer prova, isto é, quando a normal apreciação perfunctória permita identificar uma juízo de muito forte probabilidade de êxito do processo principal
Face ao artigo 120.°, nº l, c) e n.° 2 do CPTA, são três os requisitos de que depende a concessão de uma providência antecipatória, e cuja verificação a doutrina e jurisprudência tem entendido serem cumulativo, pelo que a não verificação de um destes requisitos determina a improcedência do pedido cautelar, sem necessidade de analisar os restantes (cfr. por todos Acórdão do STA de 28-07-2010, in poc. 0448/10):
a) o periculum in mora;
b) O fumus bonis iuris; e,
c) A proporcionalidade dos interesses em apreciação.
O primeiro, periculum in mora, traduz o receio de que se constitua uma situação de facto consumado ou se produzam prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente pretende ver reconhecidos no processo principal.
Sobre este assunto escreve José Alberto dos Reis que o “traço típico do processo cautelar está, por um lado, na espécie de perigo que se propõe conjurar ou na modalidade de dano que pretende evitar, e, por outro, no meio de que se serve para prosseguir o resultado a que visa. O perigo especial que o processo cautelar remove é este: o periculum in mora, isto é, o perigo resultante da demora a que está sujeito um outro processo (o processo principal), ou, por outras palavras, o perigo derivado do caminho, mais ou menos longo, que o processo principal tem de percorrer até à decisão definitiva, para se dar satisfação à necessidade impreterível de justiça, à necessidade de que o julgamento final ofereça garantias de ponderação e acerto. O meio técnico pelo qual o processo cautelar realiza o seu fim é o seguinte: composição provisória da lide (Carnelutti), antecipação provisória dos efeitos previsíveis da decisão definitiva (Calamandrei). Por outras palavras: o processo cautelar realiza a sua função mediante uma apreciação provisória da relação litigiosa” (A Figura do Processo Cautelar, in BMJ n°3, p. 42). Tem sido entendido que o periculum in mora não é um perigo genérico de dano, pelo contrário, é o prejuízo de ulterior dano marginal que deriva do atraso da providência definitiva resultante da inevitável lentidão do processo ordinário. Este periculum in mora é em regra qualificado pelo legislador e aferido numa perspectiva funcional: só tem — ou devem ter — relevância os prejuízos que coloquem em risco a efectividade da sentença proferida no processo principal.
Nem toda a urgência de tutela jurisdicional tem guarida na tutela cautelar. Não devendo confundir-se tutela cautelar preventiva — que se decreta perante a ameaça de lesão e antes de esta se consumar -, nem tutela cautelar com tutela urgente — que emite com celeridade. Há entre elas uma «relação de género e espécie» que origina a que surjam «procedimentos e providências de urgência sem carácter cautelar»” (A Urgência na Reforma do Processo Administrativo in Reforma do Contencioso Administrativo, Vol 1 (O Debate Universitário), pág.343,
Por seu turno, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha afirmam que “o primeiro dos requisitos de que, segundo o disposto no n°1, alíneas b) e c) do art°120°, depende a atribuição das providências cautelares traduz-se no periculum in mora — isto é, no fundado receio de que, quando o processo principal chegue ao fim e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar a resposta adequada às situações jurídicas envolvidas no litígio, seja porque (a) a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tomou a decisão totalmente inútil; seja, pelo menos, porque (b) essa evolução conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis”
Assim, e se se verificarem os demais pressupostos de que depende a concessão das providências, elas devem ser concedidas quando o fundado receio se reporte à ocorrência de um dos seguintes tipos de situações:
  1. quando os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, se tomará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à restauração natural, no plano dos factos
  2. quando, mesmo que não seja de prever que a reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade se tomará impossível pela mora do processo, os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação no caso de a providência ser recusada, seja porque a reintegração no plano dos factos se perspectiva difícil, seja porque pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente
De acordo com o STA, o requisito do periculum in mora “encontra-se preenchido sempre que exista fundado receio que, quando o processo principal chegue ao fim e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar resposta adequada às situações jurídicas envolvidas em litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil, seja porque, essa evolução conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis” (Ac. do STA de 28/10/2009, P. 826/09).
No que concerne ao segundo requisito previsto no art. 120, nº1, al. c), do CPTA, o fumus boni iuris , convoca um juízo de probabilidade preponderante ou um juízo o positivo de probabilidade relativamente à existência de um direito — cfr Paulo Pereira Gouveia in “As realidades da nova tutela cautelar administrativa” in Cadernos de Justiça Administrativa n° 55, pag 8 e seg.. Segundo José Alberto dos Reis “o tribunal, antes de emitir a providência, não se certifica, com segurança, da existência do direito que o requerente se arroga: limita-se a formar um juízo de verosimilhança, a verificar a aparência do direito (fumus boni iuris)” (ob cit. p. 72)”.
Sobre este assunto, escreve Miguel Prata Roque que “.. .a consagração expressa do fumus boni juris como critério principal de decretação de providências cautelares administrativas constitui uma machadada final no dogma da presunção de legalidade da actividade administrativa. Deste modo, é afastada a presunção de que a execução de quaisquer actos ou operações materiais pela Administração se encontra a coberto do interesse público. A principal consequência da sumariedade da tutela cautelar traduz-se numa atenuação do grau de prova necessário para justificar a decretação de uma providência. Será assim suficiente a mera justificação ou demonstração de uma verosimilhança entre os factos alegados pelo requerente e a verdade fática” (Novas e velhas andanças do Contencioso Administrativo, pág. 573 e ss.)”.
Em suma, quer a alínea b) como a alínea c) do n°1 do art°120° do CPTA, fazem depender a atribuição de providências cautelares da formulação de um juízo sobre as perspectivas de êxito que o requerente tem no processo principal. Porém, a alínea b) satisfaz-se com uma formulação negativa, nos termos da qual basta que «não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular» pelo requerente no processo principal «ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito» para que uma providência conservatória possa ser concedida. Consagra-se, deste modo, o que já foi qualificado como um fumus non malus iuris: não é necessário um prejuízo de probabilidade quanto ao êxito do processo principal, basta que não seja evidente a improcedência da pretensão de fundo do requerente ou a falta do preenchimento de pressupostos dos quais dependa a própria obtenção de uma pronúncia sobre o mérito da causa. Pelo contrário, de acordo com a alínea c) (do art°120° n°1), tem de ser provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente para que uma providência antecipatória possa ser concedida. Como, neste domínio, o requerente pretende, ainda que a título provisório, que as coisas mudem a seu favor, sobre ele impende o encargo de fazer prova sumária do bem fundado da pretensão deduzida no processo principal.

Consagra-se, por isso, o critério do fumus boni iuris (ou da aparência do bom direito), sendo, pois, no essencial, aplicáveis, neste caso, os critérios que, ao longo do tempo, foram elaborados pela jurisprudência e pela doutrina do processo civil sobre a apreciação perfunctória da aparência de bom direito a que o juiz deve proceder no âmbito dos procedimentos cautelares.

Finalmente, quanto ao terceiro requisito, proporcionalidade na decisão, que implica a ponderação pelo juiz de todos os interesses relevantes em causa. Daqui resulta que, o juiz, deve negar a concessão da providência cautelar quando se demonstre que os prejuízos resultantes da concessão são maiores do que os prejuízos que resultariam da não concessão (art.120º/2 CPTA).

É de referir que, o que este normativo, contempla não são os interesses em si, mas sim, com diz o Prof. Vieira de Andrade, na obra citada os prejuízos e/ou os danos resultantes da concessão ou não da medida cautelar.

O juiz pode ainda substituir ou decretar contra-providências, como, por exemplo, a imposição de garantias a prestar pelo requerente. Esta possibilidade vem prevista implicitamente na parte final do art. 120º/2 CPTA.
Relativamente ao conteúdo da decisão cautelar, também aqui, verificamos a existência da ideia de proporcionalidade, desde logo porque a providência cautelar se deve limitar ao estritamente necessário para evitar a lesão dos interesses alegados (art. 120º/2 CPTA) De onde resulta, a possibilidade do juiz cumular ou substituir a providência cautelar requerida, quando esta se mostre menos gravosa para os interesses em causa, e mais adequada a evitar lesões.

No caso de cumulação, entende o Prof. Vieira de Andrade, que a nova providência deve ser entendida como uma contra-providência, que diminui os prejuízos do requerido e que mesmo assim evite a lesão dos interesses do requerente.

No caso de substituição, a providência deverá ser adequadamente satisfatória dos interesses do requerente, e, menos prejudicial aos interesses contrários.
Resta referir, que neste sentido o juiz pode decretar também providências sujeitas a condição ou a termo.
A decisão e o seu conteúdo são provisórios, como resulta da própria definição de processo cautelar, uma vez que, a decisão cautelar não poderá subsistir face a decisão do processo principal, sendo a mesma duplamente provisória no caso do art. 131º CPTA.

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