A reforma do contencioso administrativo, em vigor desde 1 de Janeiro de 2004, executou um novo paradigma de justiça administrativa pela via do alargamento e diversificação dos meios processuais contenciosos e cautelares indispensáveis à plenitude da tutela efectiva dos direitos e interesses dos cidadãos.
Assim um dos seus principais objectivos foi dar plena concretização à exigência constitucional da garantia de uma tutela jurisdicional efectiva dos administrados face à Administração, consagrada nos artigos 20º nº1 e 268º nº4 da Constituição.
Para que haja concretização deste princípio “a cada direito ou interesse legalmente protegido deve corresponder um meio de tutela”.
Trata-se de um corolário do princípio da dignidade da pessoa humana e da tutela da confiança.
A reforma eliminou as restrições aos meios de prova admissíveis ou dos pedidos cumuláveis, ampliou as garantias de protecção cautelar e instituiu um processo executivo capaz de assegurar o efectivo cumprimento das decisões proferidas.
Houve a consagração da possibilidade de obtenção da condenação da Administração à prática de actos devidos, sem necessidade, como antes acontecia, de prévio acto administrativo ou da sua ficção para que os mesmos possam ser impugnados.
Nos termos do artigo 37º nº2 c) do CPTA admite-se o pedido que tenha por objecto litígios relativos a “condenação à adopção ou abstenção de comportamentos, designadamente a condenação da Administração à não emissão de um acto administrativo, quando seja provável a emissão de um acto lesivo”.
No regime anterior à reforma a reacção judicial apenas poderia existir a posteriori. Depois da reforma de 2004 deixou de existir essa restrição, tendo passado a lei a prever expressamente uma acção principal que tutela os cidadãos “quando seja provável a emissão de um acto lesivo”, ou seja, antes da actuação administrativa potencialmente lesiva, naturalmente antecipando a tutela judicial de forma a garantir a sua efectividade (tutela ex ante).
O recurso a este meio é justificado pela ameaça de lesão ilegal baseada na existência de uma situação de facto ou de direito que demonstre que o receio é razoavelmente fundado.
A isto se chama tradicionalmente uma “acção mandamental” pois o juiz, se considerar procedente a pretensão do cidadão, decreta uma sentença em que ordena a Administração a adoptar determinado comportamento. Se esse comportamento tiver um conteúdo negativo (abstenção ou omissão) fala-se em sentença inibitória. Estas acções estão principalmente dirigidas para a protecção de direitos absolutos e direitos fundamentais.
Este meio de protecção ex ante distingue-se das providências cautelares por pretender uma decisão de mérito sobre o fundo da questão e a resolução do conflito jurídico, ao contrário destas que são uma decisão temporária e sumária e instrumental da questão. Também se distingue da intimação pois esta pressupõe uma necessidade urgente de protecção de direitos, liberdades ou garantias e não seja suficiente o recurso a providência cautelar, pelo contrário a acção inibitória pode ser direccionada para a protecção de direitos obrigacionais e pode ser conjugada com a tutela cautelar.
Anteriormente referi que a acção inibitória se encontra regulada no artigo 37º nº2 c) do CPTA, no título da acção administrativa comum, o que é discutido por alguma doutrina que entende que devia estar sistematicamente inserida na acção administrativa especial, pois nos termos do artigo 46º nº1 do CPTA seguem esta forma de acção “os processos cujo objecto sejam pretensões emergentes da prática ou omissão ilegal de actos administrativos” e se refere no nº2 b) desse mesmo artigo a “condenação à prática de um acto administrativo legalmente devido”. Se o critério subjacente é o exercício de poderes de autoridade pela Administração (mormente a emissão de actos administrativos) não se entende o porquê de, se a condenação tiver por objecto um conteúdo positivo (prática do acto) seguir a forma de acção administrativa especial e se a condenação tiver um conteúdo negativo (abstenção ou omissão) seguir a forma de acção administrativa comum.
A doutrina tem entendido que a expressão “comportamentos” no artigo 37º nº2 c) do CPTA poderá ser interpretada no sentido de abranger meras actuações administrativas sem natureza de actos administrativos (por exemplo operações materiais ou comportamentos de facto). O comportamento pode ser igualmente ser um acto administrativo, entende-se que o mesmo tem de ser lesivo (artigo 37 nº2 c) do CPTA “quando seja provável a emissão de um acto lesivo”) e ilegal, o que decorre do artigo 3º nº1 do CPTA, pois o princípio da separação de poderes implica que o tribunal julgue a legalidade das actuações administrativas e não o seu mérito.
Outro pressuposto desta acção é a probabilidade da emissão do comportamento que terá lugar quando, haja por parte da Administração, através de quaisquer meios, o anúncio de que irá adoptar esse comportamento ou que o considera seriamente.
Em relação aos sujeitos processuais, a Administração pode ser sujeito passivo (artigo 10º nº2 CPTA) ou activo e demandar outros órgãos da Administração ou uma pessoa colectiva pública (também esta pode ser sujeito activo e demandar a Administração). Os particulares podem ser sujeitos activos da acção inibitória nos termos do artigo 9º nº 1 do CPTA.
A sentença emitida na sequência de acção inibitória, tendo esta como pressuposto a ilegalidade do comportamento, limitar-se-á a averiguar os limites da competência da Administração e a esclarecer as suas vinculações legais.
Em relação ao efeito de caso julgado, entende-se que a sentença terá implícita uma cláusula de rebus sic standibus, e como tal o caso julgado terá como limites a manutenção das circunstâncias de facto e de direito.
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