quinta-feira, 19 de maio de 2011

A legitimidade em particular na acção popular

Pegando no post efectuado pelo colega Joel Faria, gostaria de tecer algumas considerações sobre a questão da legitimidade na acção popular. O ponto de partida que temos de tomar, dando como adquirido que existe uma unicidade de acções populares (matéria para outras discussões), é o art. 2º/1 da Lei 83/95, que diz:

“São titulares do direito procedimental de participação popular e do direito de acção popular quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos e as associações e fundações defensoras dos interesses previstos no artigo anterior, independentemente de terem ou não interesse directo na demanda.”


Ora a questão acaba por ser, exactamente, saber até onde pode ir a legitimidade processual. Isso acontece porque se interpretarmos textualmente este artigo, poderíamos ir tão longe como reconhecer que um particular residente no Algarve poderia ter legitimidade processual para desencadear um procedimento relativo a alguma situação ocorrida no Minho. Esta situação acaba por decorrer do art. 52º/3 da CRP, onde o Prof. Jorge Miranda considera que existe um verdadeiro direito de acção judicial para defesa do interesse público. Acrescente-se, aliás, que esta ideia não é nova, pois já no tempo das Ordenações Filipinas havia a possibilidade de, nas circunscrições municipais, permitir, em certos casos, a intervenção de um particular em demanda de protecção do património colectivo. Essa mesma ideia passou para o Código Administrativo de 1940 (numa dupla configuração que fica afastada para a questão que se trata aqui), seguindo uma ideia de “interesse cívico”.

Ora, se a legitimidade procedimental seguir o Código de Processo Civil, o art. 26º/1 indica que a parte é legítima quando tem um interesse directo. Mas, o Código de Processo nos Tribunais Administrativos, no seu artigo 9º/2 e o Código de Processo Civil no art. 26º - A, consagram a existência de uma legitimidade sem interesse directo. Assim sendo, parece, existem duas opções contraditórias. E, naturalmente, a questão é: como interpretar esta legitimidade?
A hipótese que parece ser mais viável é optar por utilizar a previsão do art. 53º do Código de Procedimento Administrativo, em que confere legitimidade a:
·         Titulares de direitos subjectivos e interesses legalmente protegidos;
·         Cidadãos que possam ser directamente afectados;
·         Residentes numa circunscrição onde o bem público possa ser afectado;
·         Associações cujo objecto é a defesa dos interesses afectados;
·         Órgãos autárquicos da área directamente afectada;
Outra ideia que pode ser usada, oriunda de França (Debbasch & Ricci), defende que deve haver uma identidade entre este interesse “moral” e o interesse material, nomeadamente que o primeiro (tal como o segundo) deverá ser um interesse pessoal e directo do particular na acção de protecção.

Conclusão: sendo certo que a acção popular tem como objecto a protecção de interesses difusos, o art. 2º/1 da Lei 83/95 deve ser interpretado de uma forma restritiva, limitando a legitimidade procedimental, em termos gerais, aos particulares em função de critérios territoriais (dado que muito raramente o facto subjacente à acção popular dá-se à escala nacional) e, no caso das pessoas colectivas, àquelas que possuirão uma especial apetência para a defesa do interesse afectado por serem esses interesses o seu objecto principal de acção.


Bibliografia consultada:

"Princípios fundamentais do Direito Administrativo" - Marcello Caetano
"Constituição da República Portuguesa Anotada" - Jorge Miranda e Rui Medeiros
"O direito de acção popular na Constituição da República Portuguesa" (tese) - Mariana Sotto Maior
"Le contentieux administratif" - Charles Debbasch e Jean-Claude Ricci
"O contencioso administrativo no divã da psicanálise" - Vasco Pereira da Silva

Autor - Fábio Queirós, aluno nº 17271

Sem comentários:

Enviar um comentário