segunda-feira, 16 de maio de 2011

Meios Processuais - uma viagem pela legislação vigente

O novo sistema assenta na fusão, em torno de dois grandes meios processuais, de uma série de meios
processuais actualmente existentes.
Com efeito, passam, assim, a existir dois meios processuais principais: a acção administrativa comum, cujo objecto corresponde a todos os litígios do âmbito da jurisdição administrativa que não sigam a acção administrativa especial (arts. 37º e ss. CPTA), e a dita acção administrativa especial, cujo objecto reside na impugnação de actos administrativos, condenação na prática de actos administrativos devidos, e pedidos de declaração de ilegalidade de regulamentos ou da omissão de regulamentos devidos (arts. 46º e ss. CPTA).
A acção administrativa comum segue os termos do processo civil, com algumas adaptações constantes
do CPTA (art. 35º/1 CPTA), sendo que a acção administrativa especial segue uma tramitação própria, estabelecida no CPTA.
Por outro lado, passa a ser admissível apresentar junto dos tribunais administrativos todo o tipo de pedidos
tendentes à tutela dos direitos e interesses legalmente protegidos do autor, à semelhança do que se passa
no processo civil (art. 2º CPTA).
A enumeração do tipo de pedidos admissíveis na acção administrativa comum é meramente exemplificativa,
dada a indispensabilidade de assegurar uma tutela jurisdicional efectiva a todo o tipo de posições jurídicas
que não se insiram no âmbito objectivo da acção administrativa especial (vide nºs 1 e 2 do art. 37º do
CPTA).
Esta abertura e flexibilidade do objecto do processo implica uma grande permeabilidade entre estes dois
meios processuais. Assim, a possibilidade de cumulação entre os pedidos é muito ampla, sendo admissível
a cumulação de pedidos referentes, quer à acção administrativa comum, quer à acção administrativa
especial. Neste caso, em que os pedidos cumulados correspondem a diferentes formas de processo,
seguem-se os termos da acção administrativa especial (confrontar arts. 4º, 5º e 47º do CPTA).
Refira-se que o regime de cumulação de pedidos consubstancia uma alteração de grande relevância face
ao regime ainda vigente da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, razão porque o CPTA optou
por enumerar, de forma exemplificativa mas minuciosa, um conjunto de cumulações possíveis (arts. 4º/2 e 47º/2 CPTA).
Paralelamente aos dois grandes meios processuais principais, o CPTA consagra também um rol de meios processuais urgentes e autónomos.
Deste modo, incluem-se aqui os processos relativos ao contencioso eleitoral, contencioso pré-contratual de determinados tipos de contratos, intimação para prestação de informações, consulta de documentos ou passagem de certidões, intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias e providências cautelares (art. 36º CPTA).
i) O regime do contencioso pré-contratual, constante dos arts. 100º e ss. do CPTA, corresponde,
essencialmente, ao vertido no Decreto-Lei nº 134/98, de 15 de Maio, com as adaptações que o Direito
Comunitário vinha reclamando desde longa data, nomeadamente, a extensão deste regime à impugnação
dos actos pré-contratuais relativos aos contratos de concessão de obras públicas, (nº 1 do art. 100º CPTA). Com a reforma, o prazo de impugnação destes actos foi alargado de 15 dias para um mês (art. 101º CPTA)
e permitiu-se a impugnação por esta via, não apenas dos actos constantes do procedimento, mas também
o programa do concurso, o caderno de encargos ou outro documento conformador do procedimento relativo a estes contratos (nº 2 do art. 100º CPTA). Finalmente, possibilita-se a existência de uma
audiência pública, com alegações orais e no termo da qual é ditada a sentença (art. 103º CPTA).
ii) Quanto às intimações, verifica-se que a intimação para prestação de informações, consulta de processos
ou passagem de certidões é agora encarada como um meio principal, ultrapassando a sua actual configuração literal na ainda vigente Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, que a concebe como
meio acessório (arts. 104º e ss. CPTA). Além disso, cria-se um novo meio processual destinado
a salvaguardar o exercício em tempo útil de um direito, liberdade e garantia denominado “intimação para
protecção de direitos, liberdades e garantias” (art. 109º CPTA).
A intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias pode ser utilizada para impor à Administração
ou a outros particulares uma conduta positiva ou negativa necessária para garantir o exercício de
um direito, liberdade ou garantia. Reforçando-se a tutela de direitos, liberdades e garantias, determina-se que, quando o particular solicite a emissão de uma acto administrativo de conteúdo vinculado no âmbito deste meio processual, a sentença produz o efeito desse acto (confrontar com o nº3 do art. 109º CPTA).
Note-se que a especial urgência que no caso se verifique pode determinar a adopção de medidas destinadas
a satisfazer essa situação. Assim, os prazos processuais podem ser especialmente encurtados ou,
em alternativa, realizar-se uma audiência de julgamento no prazo de quarenta e oito horas, finda a qual a
decisão será imediatamente adoptada (art. 111º/1 CPTA). E pode ainda efectuar-se a audição
do requerido por qualquer meio de comunicação adequado sempre que as circunstâncias o exijam (nº 2
do art. 111º CPTA).
iii) Uma das matérias em que mais relevantes novidades se constata, refere-se às providências cautelares
(art. 112º CPTA), que se distinguem dos demais meios urgentes, na medida em que correspondem a meios
processuais acessórios e dependentes de uma causa principal.
Consagra-se no CPTA a possibilidade de adopção de quaisquer medidas cautelares, mesmo que não
estejam especificadas na lei, podendo ser requeridas pelas partes, ou determinadas pelo tribunal, quaisquer
medidas que se revelem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo prin-
cipal. Não obstante, o CPTA enumera um conjunto exemplificativo de medidas, que em muito ultrapassam
as actualmente previstas na Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (vide art. 112º/2 CPTA).
Verifica-se ainda uma extensa lista de outras inovações em matéria de providências cautelares, sendo de
destacar-se as seguintes:
a) Adopção de um meio processual único para as diversas medidas cautelares, sem prejuízo da existência
de normas disciplinadoras específicas para certos tipos de pedidos (arts. 112º e ss. e 128º e ss. do CPTA);
b) Presunção de veracidade dos factos invocados pelo requerente quando o requerido não os conteste
(ar 118º/1 do CPTA);
c) Os critérios essenciais para apreciação da possibilidade de decretamento da providência passam a ser,
essencialmente, o fumus boni iuris e o periculum in mora, embora a prevalência de um ou outro na ponderação do julgador possa variar consoante a evidência da questão ou a natureza da medida solicitada
(art. 120º do CPTA);
d)Possibilidade de antecipação do juízo da causa, a propósito da apreciação do pedido cautelar, quando
o tribunal disponha de todos os elementos necessários ao seu julgamento e se verifique uma situação
de manifesta urgência e os interesses envolvidos assim o exijam (art. 121º do CPTA).

iv) Outro dos meios processuais também disponíveis no novo contencioso administrativo diz respeito ao
processo executivo, o qual, no novo modelo, pode assumir três finalidades: execução para prestação
de factos ou coisas (art. 162º e ss. do CPTA), execução para pagamento de quantia certa (artigo
170.o e segs.) ou ainda, execução de sentenças de anulação de actos administrativos (art. 173º e
ss.).
Verifica-se neste domínio uma alteração completa do quadro normativo existente, essencialmente por se
preverem, pela primeira vez, verdadeiros mecanismos de natureza executiva oponíveis pelos tribunais a
entidades públicas.
O artigo 157º do CPTA determina, assim, que o processo executivo não só se aplica a todas as sentenças
proferidas em tribunais administrativos, mas também a quaisquer outros títulos executivos cuja relação jurídica subjacente caia no âmbito de jurisdição dos tribunais administrativos.
Como tipos de providências verdadeiramente executivas em sede de execução de sentença o CPTA prevê,
nomeadamente: a entrega de coisa devida, a possibilidade de a prestação ser realizada por terceiro, se o
facto for fungível, e a emissão pelo tribunal de sentença que produza os efeitos do acto, quando este seja
de conteúdo vinculado (n.o 4 do artigo 164.o do CPTA).
Particularmente importante em sede de execução de sentença de anulação de actos administrativos é a
previsão específica do conteúdo do dever de executar, quando um funcionário haja obtido a anulação de
um acto administrativo que prejudique a posição de terceiros, cujas situações sejam incompatíveis com as
daquele e tenham sido constituídas há mais de um ano. Trata-se de uma situação muito frequente no conten-
cioso da função pública, que ocorre quando o particular obtém a anulação de um acto que, por exemplo,
procedeu à nomeação de um conjunto de candidatos a um concurso externo de acesso aos quadros da
Administração Pública. Coloca-se, portanto, o problema de saber que vaga ocupará, uma vez que estas
já se encontram preenchidas pelos candidatos entretanto nomeados. Resolvendo a questão, o CPTA
dispõe que o particular que tenha obtido decisão favorável tem o direito de ser provido em lugar de categoria igual ou equivalente àquela em que teria sido colocado ou, não sendo isso possível, na primeira vaga que surgir, exercendo entretanto funções além do quadro (nº 4 do art.173º do CPTA).
Como novidade de relevo, refira-se a previsão da possibilidade de extensão dos efeitos de uma sentença
a casos análogos, relativamente aos quais não tenha havido julgamento, quando a decisão se refira à
anulação de um acto administrativo ou ao reconhecimento de uma situação jurídica (art. 161º do CPTA).
Significa isto que, qualquer interessado pode solicitar à Administração a extensão dos efeitos de uma
sentença desta natureza, desde que os casos sejam perfeitamente idênticos e existam, pelo menos, cinco
decisões jurisdicionais no sentido cuja extensão se requer. Caso a Administração indefira a pretensão dirigida à extensão dos efeitos de sentença, pode o particular solicitá-la ao tribunal que haja proferido a
decisão (tal como dispõe o art. 161º do CPTA).
É igualmente digno de referência o facto de o particular poder solicitar ao tribunal, em sede de processo
executivo, a compensação de um crédito que tenha sido reconhecido por sentença não executada no
prazo devido, através de dívidas que o onerem para com a mesma pessoa colectiva pública ou ministério
responsável pela inexecução (nº 2 do art. 170º do CPTA).
g) Importantes inovações ocorrem também no domínio das chamadas causas legítimas de inexecução.
Tanto na acção administrativa comum, como na acção administrativa especial, se admite que, em sede
de sentença declarativa, o tribunal verifique a existência de alguma situação de impossibilidade ou grave
prejuízo para o interesse público que obste à satisfação das pretensões do autor (arts. 45º e 49º do
CPTA). Significa isto que as actuais “causas legítimas de inexecução” de sentenças poderão, no novo
regime, ser apreciadas no momento da própria sentença do processo declarativo, evitando-se o adiamento
do conhecimento de uma questão de apreciação eminentemente declarativa para a fase do processo
executivo.
h) Por fim, refira-se ainda como meio processual previsto, a figura do recurso jurisdicional, cuja reformulação de regime denota uma clara aproximação ao processo civil.
As alegações de recurso passam a ter de acompanhar o requerimento de interposição do mesmo, evitando-se a ocorrência de um momento de apresentação do requerimento e outro para apresentação das alegações
(nº 2 do art. 144º do CPTA).
O tribunal de recurso em segunda instância deve pronunciar-se sobre o objecto da causa na sua totalidade,
não se limitando à manutenção ou eliminação da decisão recorrida com a consequente baixa do
processo ao tribunal recorrido para reforma da sentença (art. 149º do CPTA). Evita-se, pois, a existência
deste passo processual suplementar de revisão da sentença pelo tribunal recorrido na sequência de um
recurso que implique a modificação da decisão.
Embora os recursos tenham, em regra, efeitos suspensivos, prevê-se a possibilidade de concessão de
efeito devolutivo quando o efeito suspensivo possa originar situações de facto consumado ou prejuízos
de difícil reparação para interesses públicos ou privados. Mesmo assim, quando da concessão do efeito
devolutivo possam resultar danos, o tribunal pode adoptar medidas destinadas a minorá-los (art. 143º
do CPTA).
Das inovações mais significativas em sede de recursos destacam-se a previsão de recursos de revista e
o regime do reenvio prejudicial.
O recurso de revista previsto no artigo 150º do CPTA destina-se a proporcionar a intervenção do Supremo
Tribunal Administrativo em casos que de outra forma não poderia apreciar, por o Tribunal Central Administrativo já ter julgado em segunda instância. Trata-se, no fundo, de consagrar uma terceira instância
quando a questão em causa mereça a ponderação do Supremo devido à sua importância ou relevância
para aplicação do Direito, à semelhança do que sucede num conjunto de outros supremos tribunais de diferentes ordenamentos. A verificação da admissibilidade deste recurso é efectuada de forma sumária, por
uma formação de três juízes (nos termos do art. 150º/5 do CPTA).
O recurso de revista per saltum permite o recurso directo, em segunda instância, de decisões do tribunal
administrativo de círculo para o Supremo Tribunal Administrativo, nos casos em que o valor da causa seja
de tal forma elevado que a importância do pedido está justificada a priori. Assinale-se, porém, que por esta
via, apenas podem ser suscitadas questões de direito, cabendo ao relator a verificação dos pressupostos
do recurso. Caso não se encontrem preenchidos, o processo é remetido ao Tribunal Central Administrativo,
que o deverá julgar como recurso de apelação (art. 151º/3 do CPTA).
O reenvio prejudicial destina-se a permitir a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo em causas
cuja situação controvertida possa, previsivelmente, ser colocada em numerosos pedidos futuros, permitindo-se assim a fixação de jurisprudência suficientemente alicerçada o mais cedo possível (art. 93º do CPTA),sendo que o Supremo deve julgar o reenvio em três meses.
Estas são as linhas gerais trazidas pela reforma do Contencioso.

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