sábado, 21 de maio de 2011

O Acto Administrativo Impugnável


A acção administrativa especial comporta em si 3 tipos de acções: a impugnação de actos administrativos prevista nos arts 50 e ss; a condenação à pratica de acto devido prevista nos arts 66 e ss e por fim a impugnação de normas e declaração de ilegalidade por omissão prevista nos arts 72 e ss. O que nos ocupa por agora é a matéria relativa ao acto administrativo impugnável que consiste num dos requisitos da impugnação dos actos administrativos e vem especialmente regulado no art. 51.

A primeira questão que se põe é a de saber em que consiste afinal a noção de acto administrativo em termos processuais, se coincide com uma noção tradicional restrita ou se por contrário é mais ampla e bastante mais abrangente. A resposta a esta questão é que a noção de acto administrativo em termos processuais é bastante mais ampla do que o conceito tradicional, mas nem sempre foi assim, trata-se pois de um dos grandes avanços da reforma do contencioso e a superação dos seus “traumas de infância” que permitiu que as áreas de influência do contencioso fossem sucessivamente alargadas e consequentemente a noção de acto administrativo também fosse beneficiada adquirindo mesmo a natureza de direito fundamental nos termos do art. 268/4 CRP.

Hoje o acto administrativo é compreendido como todo o acto que produza efeitos jurídicos mas  processualmente, serão impugnáveis os que sejam susceptíveis de provocar uma lesão ou afectar posições subjectivas dos particulares. Apesar desta louvável alteração do contencioso, a redacção do art. 51/1 CPTA não foi decididamente a melhor, suscitando vários problemas interpretativos e sobretudo espaço a diferentes entendimentos e posições doutrinárias numa questão que deveria à partida ser líquida.
 Nos termos do art. 51/1 a impugnabilidade do acto administrativo resulta da sua eficácia externa e especialmente dos actos cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos.
  
Estamos afinal na presença de dois requisitos cumulativos ou apenas um requisito ou pelo contrário requisitos diferentes consoante o tipo de acção?

A este respeito, o Prof Vasco Pereira da Silva opta pela última hipótese, para ele o critério de impugnabilidade irá depender da natureza da acção, sendo os dois completamente autónomos. Assim se estivermos perante uma acção de tutela de um direito de um particular perante a Administração o critério será aferido pela lesão do particular, até porque não faria sentido que o critério fosse a eficácia externa quando se admite a impugnação de actos sem eficácia externa no art.  54; se por outro  lado estivermos diante de uma acção de defesa da legalidade e do interesse público (art. 9/2) o critério já será o da eficácia externa do acto, ou seja, da possibilidade do acto produzir todos os seus efeitos nas relações jurídicas externas independentemente da respectiva eficácia concreta.
  
Já o Prof. Vieira de Andrade parece admitir aqui apenas um requisito independentemente da natureza da acção que é a eficácia externa admitindo no entanto excepções para os casos das decisões administrativas preliminares em que pelo facto de com grande probabilidade o acto final produzir efeitos lesivos para o particular se admite a sua impugnação, ou seja, apesar do requisito ser apenas a sua eficácia externa, ele estará condicionado pela lesão de direitos.

Outra grande alteração que este artigo veio trazer, para o  Prof. Vasco Pereira da Silva, foi determinar o fim do recurso hierárquico necessário, apesar de ainda existir importante doutrina que não é do mesmo entendimento.

O Prof. sempre defendeu a inconstitucionalidade do recurso hierárquico necessário pelo facto de este atentar contra o princípio de acesso aos tribunais, da efectividade de tutela e de desconcentração administrativa e para ele não há qualquer dúvida que a revisão do código o afastou. A critica a posição do Prof. vem, não pela evidência de que o CPTA afastou parcialmente este recurso mas pelo facto de ainda existirem regras especiais, que consagram a existência expressa do recurso hierárquico necessário no CPA, o que levará a concluir que este não foi totalmente afastado. (Prof. Mário de Aroso Almeida)

O Prof. responde a esta posição afirmando que tal interpretação não procede pois deve-se apenas ao facto de não ter sido alterado o CPA tal como aconteceu com o CPTA e que um eventual entendimento no sentido de que o recurso poderá a continuar a ser exigido é um absurdo pois tratam-se de normas incompatíveis além da acentuada inconstitucionalidade que dai resultaria.

Assim sendo, a reforma ao CPTA alterou profundamente o panorama do contencioso administrativo português e trouxe consigo melhorias significativas na matéria dos actos administrativos impugnáveis. Olhando para trás, onde tudo se passava em torno da mera anulação de actos administrativos e em que se confundiam a justiça com a administração (o que trazia consigo posições frágeis dos particulares) parece-nos que não nos podemos queixar em relação ao resto da Europa a nível de justiça administrativa, pois permite-se agora que a Administração seja mais “controlada” por parte não só dos tribunais como dos particulares ao ser-lhes alargada a possibilidade de impugnar actos administrativos com um sentido bem mais abrangente do que era até então e com uma celeridade e segurança jurídica que não dispunham, permitindo-se atacar os actos sem exigência do recurso hierárquico necessário, pois este extinguiu-se.

Bibliografia:
Silva, Vasco Pereira, “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, Almedina, 2009
Andrade, José Carlos Vieira, “A justiça Administrativa”, Almedina, 2004

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