quinta-feira, 5 de maio de 2011

Os pressupostos processuais para a condenação à prática do acto administrativo legalmente devido

A condenação à prática de acto devido está, hoje em dia, presente no art. 66.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA). É uma modalidade da acção administrativa especial — art. 46.º, n.º 2, al. b) CPTA—, representando, para o Professor VASCO PEREIRA DA SILVA, uma das principais manifestações da mudança de paradigma que teve lugar com a passagem da mera anulação para a plena jurisdição.
Esta forma de tutela efectiva dos direitos dos particulares nas relações jurídicas administrativas necessita, para sua aplicação, que sejam preenchidos determinados pressupostos processuais, sobre os quais nos vamos debruçar de seguida.
Em primeiro lugar, é necessária a existência de uma omissão de decisão ou prática de acto administrativo de conteúdo negativo por parte da Administração, que se revelem ilegais — art. 66.º, n.º 1 CPTA. Estas situações estão presentes no art. 67.º CPTA, que fixa os casos em que poderá ser pedida a condenação à prática do acto devido. 
A omissão administrativa releva sempre que, tendo havido por parte do particular um pedido apresentado ao órgão competente e com o dever legal de decidir, este não tenha proferido qualquer decisão no prazo legalmente estabelecido. Deixa de ser necessária a ficção legal anteriormente utilizada, presente no art. 109.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), do indeferimento tácito, uma vez que agora é permitido ao particular   a satisfação directa da sua pretensão. Assim, o Prof. VASCO PEREIRA DA SILVA, em concordância com MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, entende que o art. 109.º, n.º 1 CPA se deve considerar tactitamente derrogado na sua parte final (‘... a faculdade de presumir indeferida essa pretensão, para poder exercer o respectivo meio legal de impugnação.’), devendo antes ser lido como se dissesse que a falta de decisão administrativa confere ao interessado a possibilidade de utilizar o meio de tutela adequado.
Questão relevante é a de saber se o que anteriormente se expôs será igualmente aplicável aos casos do art. 108.º CPA, isto é, nos casos de deferimento tácito. Para o Prof. VASCO PEREIRA DA SILVA relativamente à admissibilidade de pedidos de condenação de omissões administrativas geradoras de deferimentos tácitos, há apenas uma objecção procedente que tem que ver com o facto de estar em causa uma ficção legal, em princípio, favorável ao particular. Discordando de MÁRIO AROSO DE ALMEIDA,  diz-nos o Professor que a mera existência de um acto administrativo resultante da lei não afasta forçosamente a possibilidade de pedidos de condenação na prática do acto devido, até porque o Prof. VASCO PEREIRA DA SILVA não considera que o deferimento tácito seja um acto administrativo.
Ainda que o deferimento tácito tenha efeitos favoráveis para o particular, não é de afastar imediatamente a possibilidade de recurso à acção de condenação à prática de acto devido, pelo menos em duas situações: a) na hipótese de o diferimento tácito ser considerado parcialmente desfavorável, por não corresponder totalmente às pretensões do particular; e b) na hipótese de, em caso de relação jurídica multilateral, o diferimento tácito ser favorável em relação a um ou alguns dos sujeitos, mas não aos demais que se vêm confrontados com efeitos desfavoráveis. Em ambas as situações podem os particulares utilizar a via do pedido de condenação, visto que estaria em causa uma omissão de acto administrativo devido.
Conclui-se portanto que a omissão de actuação respeitante ao comportamento da Administração (que tanto se pode verificar em caso de indeferimento como de deferimento tácito) e a denegação do direito do particular à actuação administrativa devida (seja pela recusa da prática do facto como pela recusa de apreciação do pedido), são um dos pressupostos para a admissibilidade da condenação à prática de acto devido.
Em segundo lugar, há que ter em conta a legitimidade das partes. O legislador procede, no art. 68.º, n.º 1 CPTA, à fixação daqueles que podem ser partes legítimas para apresentar pedidos de condenação. 
Nas alíneas a) e b) é feita referência aos sujeitos privados, indivíduos e pessoas colectivas com um direito/interesse legalmente protegido susceptível de ser satisfeito com a emissão de um acto administrativo. São estes os sujeitos por excelência deste meio processual.
Porém, a alínea b) não se fica apenas pelas entidades privadas, dizendo também respeito às pessoas colectivas públicas e aos órgãos administrativos. O Prof. VASCO PEREIRA DA SILVA alerta-nos para o facto de que esta disposição deve ser interpretada à luz da regra geral da legitimidade passiva (art. 10.º CPTA), significando isto que são admissíveis também pedidos de condenação referentes a relações jurídicas inter-orgânicas.
Por sua vez, a alínea c) diz respeito ao Ministério Público. Com esta alínea, o legislador introduz na legitimidade para apresentação de pedidos de condenação uma componente objectivista, fixando-lhe, no entanto, limites. Limites estes que, em parte, se demonstram inadequados e põem em causa a intenção legislativa de estabelecer limites ao alargamento da legitimidade para apresentação de pedidos de condenação. VASCO PEREIRA DA SILVA propõe uma interpretação correctiva do preceito considerando que este alargamento só terá lugar quando estejam em causa interesses públicos particularmente relevantes.
Surge, no entanto, outra questão, relativa à compatibilização do pressuposto processual da legitimidade do Ministério Público com o dos pressupostos relativos ao comportamento da Administração. Esta questão deve ser resolvida considerando que só é admissível a intervenção do Ministério Público quando tenha sido emitido um acto administrativo de conteúdo negativo, mas já não quando se esteja perante uma omissão administrativa.
Por último, a alínea d) do art. 68.º CPTA, refere-se ao actor popular. Quanto este é necessário que nos debrucemos sobre algumas questões. 
Em primeiro lugar, é necessário saber se a intervenção do actor popular está ou não sujeita a limites respeitantes à relevância dos interesses que, em concreto, lhe cabe defender. Já sabemos que tal acontece ao actor público, mas a al. d) parece não colocar qualquer limite à actuação do actor popular, o que se afigura estranho, visto que não faz qualquer sentido que um órgão do Estado destinado à defesa da legalidade e do interesse público se veja limitado enquanto tais limites já não valem para o actor popular. Para o Prof. VASCO PEREIRA DA SILVA, a melhor forma de conciliar as disposições atributivas de legitimidade ao actor público e popular, e ambas com a legitimidade para a defesa de interesses próprios, passa por unificar as condições de tutela objectiva da legalidade e do interesse público estendendo também ao actor popular as limitações que o legislador consagrou para a acção pública. Significa isto que a intervenção do actor popular só deve ter lugar quando o dever de praticar o acto resulte directamente da lei e esteja em causa a tutela de direitos fundamentais ou um interesse público especialmente relevante
Em segundo lugar, questiona-se se o actor popular gozará de legitimidade para pedir a condenação da Administração, seja em acções ou omissões. Face ao anteriormente exposto quanto à acção pública, deve considerar-se que o actor popular só é parte legítima quando esteja perante um acto administrativo de conteúdo negativo e não quando se trate de uma omissão administrativa.
Por fim, há que atentar à oportunidade do pedido. Para que os sujeitos que gozam de legitimidade para pedir a condenação à prática de acto devido o possam realmente fazer, devem sujeitar-se aos prazos, conforme estabelece o art. 69.º CPTA. Estes prazos diferem conforme estejamos perante uma omissão ou um acto de conteúdo negativo. No primeiro caso, o prazo é de um ano (art. 69.º, n.º 1 CPTA), enquanto no segundo o prazo é de três meses (art. 69.º, n.º 2 CPTA). A consagração destes prazos prende-se com razões de segurança e estabilidade. O seu decurso não implica qualquer efeito sanador de invalidade, tendo estes prazos natureza meramente processual. O Prof. VASCO PEREIRA DA SILVA aplica nesta sede, por analogia, o art. 38.º CPTA, segundo o qual o direito à emissão do acto administrativo devido, quando não exercido atempadamente, é susceptível de vir a ser, mais tarde, apreciado pelo tribunal, a título incidental (art. 38.º, n.º 1 CPTA), podendo dar origem a uma acção administrativa comum, ainda que sem eficácia condenatória quanto à prática do acto (art. 38.º, n.º 2).

Bibliografia:
SILVA, VASCO PEREIRA DA. O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise — Ensaio sobre as acções no novo processo administrativo, 2.ª Edição, Almedina, 2009.

Sem comentários:

Enviar um comentário