quarta-feira, 25 de maio de 2011

Características da tutela cautelar

Nota Histórica:

Até aos nossos dias a tutela cautelar no contencioso administrativo português permaneceu, assim, centrada, no instituto da suspensão da eficácia de actos administrativos (único tipo de providência cautelar que se encontrava consagrada no nosso contencioso administrativo até 1985). Porém a forma como esse instituto foi concebido para funcionar torna-o um instrumento acessório em relação a processos de anulação de actos administrativos, ele só se apresenta apto a proporcionar tutela cautelar efectiva nos casos em que o interessado apenas se oponha a uma inovação de conteúdo lesivo que tenha sido introduzida por um acto de conteúdo positivo. O referido instituto constitui, por isso, o meio típico de tutela cautelar, vocacionado para funcionar no domínio da impugnação anulatória de actos administrativos (de conteúdo positivo).
Já se pelo contrário, estiver em causa a actuação processual de uma posição jurídica de conteúdo pretensivo, dirigida à prática de um acto administrativo, o mecanismo da suspensão não é capaz de proporcionar uma tutela cautelar efectiva, uma vez que, não tem o alcance de antecipar, ainda que a título provisório, a constituição de uma situação jurídica nova, diferente daquela que existia no momento da prática do acto cujos efeitos se pretendem ver suspensos.
Actualmente, o artigo 112.º introduz uma cláusula aberta, nos termos da qual “quem possua legitimidade para intentar um processo junto dos tribunais administrativos pode solicitar a adopção da providência ou das providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo”.
O artigo 112.º, n.º 2, admite, entretanto, que as providências cautelares a adoptar possam ser as providências típicas que se encontram especificadas no CPC, com as adaptações que se justifiquem. E apresenta um elenco exemplificativo de outras providências que passam a poder ser adoptadas.

Passando ao tema principal podemos dizer que as providências cautelares caracterizam-se fundamentalmente pelos traços da instrumentalidade, da provisoriedade e da sumariedade:

-  As providências cautelares são instrumentais em relação ao processo principal significa que, o processo cautelar só pode ser desencadeado por quem tenha legitimidade para intentar um processo principal e se definir por referência a esse processo principal, em ordem a assegurar a utilidade da sentença que nele virá a ser proferido (artigo 112.º, n.º 1). Desta forma, podemos dizer que as providências cautelares encontram-se assim totalmente dependentes do processo principal de facto. Mas é claramente afirmada no artigo 113.º, n.º 1, se o processo cautelar for intentado em momento anterior ao da instauração do processo principal, ele é intentado “como preliminar” (artigo 113.º, n.º 1) e, por isso, as providências cautelares que vierem a ser adoptadas caducam se o requerente não fizer uso, no prazo de três meses, do meio principal adequado (artigo 123.º, n.º 2). Pelo mesmo motivo, as providências também caducam se o processo principal estiver parado durante mais de três meses por negligência do interessado ou se nele vier a ser proferida decisão transitada em julgado desfavorável às suas pretensões (artigo 123.º, n.º 1).
- A providência cautelar é por natureza provisória, ou precária, pois pode a todo o tempo ser alterada ou revogada pelo tribunal, na pendência do processo principal, como se estabelece no artigo 124.º, n.º 1 do CPTA. Designadamente por ter sido proferida, no processo principal, decisão de improcedência de que tenha sido interposto recurso com efeito suspensivo (artigo 124.º, n.º 3).

É correntemente afirmado o princípio de que o tribunal não pode dar, através da concessão de uma providência cautelar, o que só à sentença final cumpre proporcionar, se vier a dar provimento às pretensões deduzidas no processo principal. Esta afirmação deve ser, porém, entendida com precaução. O que, em princípio, a providência cautelar não pode fazer é antecipar, a título definitivo, a constituição de situações que só a decisão a proferir no processo principal pode determinar a titulo definitivo, em tais condições que essa situação já não possa ser alterada se, no processo principal, o juiz chegar, a final, a conclusões que não consintam a sua manutenção. Por conseguinte, se o interessado pretender a obtenção de licença para demolir um imóvel ou de autorização para realizar uma manifestação, o tribunal não pode impor, como providência cautelar, que a licença ou a autorização sejam concedidas.
Quando o periculum in mora possa comprometer o efeito útil do processo principal o que é necessário é obter, com carácter de urgência, uma decisão sobre o mérito da questão colocada no processo principal. Tal decisão já não pertence, porém, ao domínio da tutela cautelar, mas ao domínio da tutela final urgente, e só pode ter lugar se se preencherem os pressupostos de que depende a utilização de processos principais urgentes especificamente instituídos na lei, como a intimação para protecção de direitos, liberdade e garantias que intervém, como diz o artigo 109.º, n.º 1, quando não seja possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar.

- Um último traço característico das decisões que são tomadas em sede cautelar é o da Sumario cognitio.
Para decidir se confere ou não tutela cautelar e, em especial, para apreciar se, na esfera do requerente, se preenchem ou não os requisitos do periculum in mora e do fumus boni iuris, o tribunal deve proceder a meras apreciações perfunctórias, baseadas num juízo sumário sobre os factos a apreciar, evitando antecipar juízos definitivos que, em princípio, só devem ter lugar no processo principal.
Isto decorre da especial urgência que encobre as providências cautelares, que levam a que o requerente apenas terá que fazer prova sumária do direito que lhe assiste, nos termos do artigo 114.º, n.º3, alínea g) do CPTA, demonstrando com um juízo de probabilidade ou verosimilhança variável conforme o tipo de providência que se requeira - veja-se os diferentes requisitos  que se têm de encontrar reunidos, a serem provados, mediante prova sumária, pelo requerente no artigo 120.º do CPTA - que o direito que fundamenta a providência existe.
Com efeito, a tutela cautelar só será efectiva se os tribunais forem capazes de a proporcionar em tempo útil; e essa capacidade será tanto menor quanto maior for o tempo consumido na indagação de questões que, em sede cautelar, não devem ser objecto de uma análise aprofundada, mas apenas apreciadas de modo perfunctório.
A sumariedade preside, reconhecidamente, à apreciação da possibilidade de o requerente vir a ter êxito no processo principal (fumus boni iuris). O mesmo deve, no entanto, vale também para a apreciação do periculum in mora.

Conclusão:

Como expressamente resulta do artigo 268.º, n.º 4, da CRP, não só os direitos subjectivos, mas também os interesses legalmente protegidos, estão cobertos pela garantia de tutela jurisdicional efectiva, que se estende ao plano da tutela cautelar. Isto significa que não se pode negar o direito à tutela cautelar dos titulares de interesses legalmente protegidos com o argumento de que, de acordo com as normas substantivas, eles não têm um direito subjectivo à constituição (ou conservação) de uma vantagem, mas só um interesse legalmente protegido, porquanto dependente do exercício de poderes discricionários por parte da Administração.
Cumpre ter sempre presente que o objecto do processo cautelar não se confunde com o do processo principal, precisamente porque, um e outro, desempenham funções que, entre si, são diferenciadas.
Se a adequada ponderação dos critérios previstos no artigo 120.º conduzir, no caso concreto, à conclusão de que a solução que melhor acautela a situação do interessado, sem que daí resultem danos desproporcionados para os demais interesses envolvidos, é a de permitir que, a título provisório, ele se comporte, na pendência do processo, como se tivesse visto deferida a sua pretensão, não se vê por que razão não há-de o tribunal poder adoptar a providência.
Basta, para o efeito, que se reconheça que, ao fazê-lo, o tribunal está a estabelecer uma mera regulação provisória autónoma para o caso, que apenas se destina a valer até ao momento em que a Administração venha a produzir a regulação devida, no exercício dos seus poderes discricionários.
As providências cautelares têm características típicas: a instrumentalidade  -  isto é, a dependência, na função e não apenas na estrutura, de uma acção principal, cuja utilidade visa assegurar; a provisoriedade  -  pois que não está em causa a resolução definitiva de um litígio; e a sumaridade – que se manifesta numa cognição sumária da situação de facto e de direito, própria de um processo provisório e urgente.

Bibliografia:

Almeida, Mário Aroso de – “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, 4ª Edição, Almedina, 2005.

Andrade, José Carlos Vieira de – “ A Justiça Administrativa”, 10ª Edição, Almedina

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