Um dos principais vectores de profunda alteração do contencioso administrativo português, deu-se ao nível da jurisdição dos tribunais administrativos. Se até então essa jurisdição era extremamente limitada não indo mais alem do que a mera anulação ou declaração de nulidade de actos administrativos, com a nova reforma esses “traumas de infância” são superados passando os tribunais a gozar de uma plena jurisdição (art. 2 CPTA )à semelhança do já acontecia no processo civil . Esta plena jurisdição, consiste num reforço dos poderes dos tribunais a nível declarativo e executivo passando estes a poder apreciar qualquer tipo de causa em sede Administrativa. Este reforma veio portanto dar cumprimento a uma garantia constitucional prevista no art 268/4 da CRP . Importante também, e no que diz respeito a este principio em concreto foi o facto de não ser posta em causa a separação de poderes entre Administração e Justiça, separação essa que é logo referenciada no art 3/1 CPTA e confirmada por várias disposições ao longo do código (ex: art 71/2; art95/3).
Este reforço de poderes dos Tribunais Administrativos é visível sobretudo em dois planos, um primeiro no que diz respeito aos poderes de pronuncia que são atribuídos no plano declarativo e um segundo plano no âmbito dos processos cautelares em que são decretadas as providencias destinadas a acautelar as decisões nos processos principais.
Em relação a este primeiro plano, o CPTA eliminou a dualidade de meios processuais que a LPTA havia introduzido no domínio da impugnação de normas emitidas no exercício da função administrativa, substituindo-a por duas novas modalidades – o pedido de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral e o pedido de declaração de ilegalidade no caso concreto. A primeiro modalidade, a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral (art. 76), é um preceito inspirado no art. 282 da CRP, que diz respeito às declarações de inconstitucionalidade com força obrigatória geral.Abre-se no entanto uma porta no art. 73/2 para os casos em que os efeitos da norma se produziram sem dependência de qualquer acto de aplicação, ou seja, “o lesado pode obter a desaplicação da norma pedindo a declaração da sua ilegalidade com efeitos circunscritos ao seu caso”. Este será assim a segunda modalidade – a declaração de ilegalidade sem força obrigatória geral que tal como referimos supra, circunscrita a desaplicação da referida norma ao caso concreto. Esta declaração de ilegalidade é proferida a titulo principal pois não há acto administrativo de aplicação a propósito da impugnação da qual se possa pedir a desaplicação da norma. O lesado irá reagir directamente contra ela, e quanto a esta questão, o Prof. Vasco Pereira da Silva levanta fortes criticas que a meu ver são justas e não podiam, ou não deviam, ter passado pelo crivo de uma tão profunda reforma sem que tais reparos fossem considerados. Segundo o Prof., não faz qualquer sentido que um processo onde se visa apreciar a legalidade de um regulamento a titulo principal, produza os seus efeitos depois de constatada a ilegalidade, apenas no caso concreto. Acontece que nesses casos estamos perante uma violação de princípios fundamentais da ordem jurídica – principio da legalidade e do estado de direito - bem como uma ofensa do direito fundamental de impugnação de regulamentos. Esta posição do Prof. é também sufragada pela jurisprudência da união Europeia ( Sentença Kuhne de 13 de Janeiro 2004) Além deste grave atentado ao estado de direito, levanta-se ainda a questão de saber o que é o caso concreto nos casos, por exemplo, onde a apreciação do regulamento é suscitada pelo actor popular que actua na defesa da legalidade e do interesse publico..
Em relação à condenação da Administração à prática de actos devidos previstos nos arts 66 e ss trata-se, como referimos supra, de uma imposição constitucional prevista no art. 268/4 da CRP. O CPTA escolheu a acção administrativa especial como forma de processo adequado à tutela contenciosa das posições subjectivas de conteúdo pretensivo, que se dirijam à emissão de actos administrativos, independentemente de saber se o seu conteúdo é ou não vinculado. Nos termos do art. 71 cabe ao tribunal proferir acções de simples condenação ao cumprimento do dever de decidir, a condenação á pratica de acto devido de conteúdo vinculado e a condenação no dever de substituir o acto ilegalmente praticado por outro que não reincida nas ilegalidades cometidas. O CPTA atribui aos tribunais administrativos o poder de fixarem oficiosamente o prazo dentro do qual os deveres impostos devem ser cumpridos – art3/2 e de aplicarem quando se justifique sanções pecuniárias compulsórias nos termos do art. 169. Só desta forma o tribunal consegue “coagir” a administração para esta cumprir as suas obrigações.
No que diz respeito ao segundo plano de reforço dos poderes dos tribunais administrativos temos a faculdade de decretar qualquer tipo de providências cautelares. Antes da reforma do CPTA os tribunais já podiam conceder providências cautelares, devido à aplicação subsidiária do CPC no entanto esta prática centrava-se essencialmente no instituto da suspensão da eficácia de actos administrativos. Dando cumprimento ao disposto no art 268/4 da CRP, o CPTA estabelece no art 112 que os tribunais administrativos passam a poder adoptar toda e qualquer providência cautelar, antecipatória ou conservatória, que se mostre adequada a assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal. O alargamento desta tutela cautelar no novo CPTA manifestou-se em dois domínios: na emissão de providências conservatórias e na emissão de providências antecipatórias. Em relação às primeiras, vêm previstas no art 112/2/f e a propósito delas devem os tribunais agir com precaução pois o seu uso desmedido pode levar à paralisação da Administração. O CPTA reforçou também os poderes dos tribunais administrativos no plano da execução das decisões que proferem passando a dispor do poder de adoptarem verdadeiras providencias de execução das suas decisões. (art3/3). Nos arts 170 e ss são concretizadas as providências que os tribunais administrativos passaram a poder adoptar para assegurar as suas decisões.
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