quarta-feira, 25 de maio de 2011

A Aceitação do Acto Administrativo

A figura da aceitação do acto administrativo vem prevista no art. 56.º do CPTA que nos diz que “não pode impugnar um acto administrativo quem o tenha aceitado, expressa ou tacitamente, depois de praticado”, sendo que o nº2 diz-nos ainda que a aceitação tácita “deriva da prática, espontânea e sem reserva, de facto incompatível com a vontade de impugnar”.
Podemos, assim, afirmar que a aceitação do acto administrativo traduz-se numa manifestação de vontade positiva, expressa ou tácita (art. 56.º, n.º 2 CPTA e art. 217.º, n.º 1 CC), de concordância com o conteúdo de um acto administrativo anulável, por parte do seu destinatário, tendo como efeitos a preclusão do direito de impugnação graciosa e contenciosa do mesmo (arts. 53.º, nº4 CPA e 56.º CPTA, respectivamente). Para alguma doutrina, pode ainda apresentar-se como uma renúncia à posição substantiva subjacente ao conteúdo desfavorável do acto em questão.
Assim sendo, não são passíveis de aceitação os actos nulos, pois nestes não há uma verdadeira decisão de autoridade da Administração merecedora de uma tutela acrescida por parte da ordem jurídica.
A aceitação do acto distingue-se da renúncia ao direito de recurso, na medida neste caso estamos perante uma manifestação de vontade de conteúdo negativo dirigida ao não exercício, em concreto, do direito de impugnar com efeitos meramente processuais.
Também o podemos diferenciar do mero decurso do prazo de impugnação (art. 58.º, n.º2, al. b) CPTA), pois este não apresenta qualquer manifestação de vontade, podendo resultar do mero desleixo do particular, não traduzindo, portanto, uma conformação como o conteúdo do acto e consequente renúncia a uma posição substantiva.

É controvertido na doutrina qual a efectiva natureza jurídica desta figura. Ora, neste âmbito, é costume desdobrar-se a questão em duas: primeiro, temos que verificar se estamos perante um negócio jurídico ou um mero acto jurídico; segundo, averiguar se é um caso de ilegitimidade, falta de interesse em agir ou de um pressuposto processual autónomo.
Encontra-se hoje abandonada a posição do Prof. Marcello Caetano, segundo a qual a aceitação do acto (anulável) constituiria um reconhecimento da sua validade, tendo como efeito a sua convalidação, à semelhança do que se passa no Direito Privado (pois a legalidade das decisões administrativas releva do interesse público). Só assim se pode explicar que o MP possa vir impugnar o acto aceite pelo particular em defesa da legalidade objectiva nos termos dos arts. 56.º, n.º 1, a contrario, 55.º, n.º 1, al. b) e 62.º, n.º 1, CPTA.
No âmbito da primeira questão colocada, o Prof. Rui Machete defende que a aceitação do acto constitui “um acto de disposição de uma situação subjectiva que esteja na titularidade do particular”, mais concretamente, um “negócio jurídico unilateral de direito substantivo”.
Por sua vez, para o Prof. Vieira de Andrade, a aceitação do acto tem a natureza de um acto jurídico. Já quanto à segunda questão, este Professor diz que se trata de um pressuposto processual autónomo.
Por outro lado, o Prof. Rui Machete considera tratar-se de um requisito negativo de legitimidade activa. Ora, a favor desta tese pode apontar-se a própria epígrafe do preceito “Legitimidade”. Todavia, este argumento literal é, como se sabe, insuficiente, pois a epígrafe não vincula o intérprete nem tem o legislador uma tarefa classificatória.
Assim, tal como o Prof. Vasco Pereira da Silva, entendemos que a aceitação do acto está ligada ao interesse em agir. Ora, traduzindo-se a aceitação do acto no acatamento dos seus efeitos desfavoráveis e, portanto, na renúncia aos efeitos favoráveis do acto legalmente devido, a impugnação não teria qualquer utilidade porque o direito ao acto favorável se extinguiu na esfera do particular, nada havendo a salvaguardar através da anulação do acto aceite.

O efeito preclusivo derivado da aceitação do acto administrativo constitui uma restrição ao direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva (arts. 20.º, n.º 1 e 268.º, n.º 4 CRP), que é um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias (art.º 17.º CRP), pelo que a doutrina e jurisprudência tem salientado a necessidade de recorrer aos princípios próprios da interpretação dos direitos, liberdades e garantias, nomeadamente ao princípio in dubio pro libertatis, que impõe uma interpretação restritiva das restrições.
Deste modo, têm sido concebidos vários requisitos da aceitação, não expressamente previstos no art. 56.º CPTA, de forma a limitar ao mínimo a compressão do direito fundamental em questão.
Esses requisitos têm-se revelado particularmente importantes no que toca à aceitação tácita (art. 56.º, n.º 2 CPTA) e à concretização daquilo que deve ser tido como «facto incompatível com a vontade de impugnar».
Assim, em primeiro lugar, a aceitação terá de ser espontânea, requisito inferido do art. 56.º, n.º 3 CPTA, pelo que os actos praticados no âmbito do dever de obediência não valem, em regra, como aceitação, por não serem espontâneos.
Exige-se ainda que a vontade de aceitar seja livre e esclarecida, não relevando a declaração de aceitação determinada pelo receio das consequências negativas do não acatamento do acto. Tem aqui aplicação todo o regime da falta e vícios da vontade (art. 240.º e ss. CC).
Neste âmbito, a jurisprudência tem entendido que a aceitação do acto, para ser perfeita, tem de ser feita num contexto em que o particular tenha um conhecimento perfeito do conteúdo do acto e da sua eventual ilegalidade, requisito que vem complementar a exigência de que a aceitação seja posterior ao acto (art. 56.º, n.º 1 in fine CPTA). Garante-se, assim, que o particular conheça o conteúdo final do acto, aceitando-o de forma esclarecida, pelo que não deve bastar a mera possibilidade formal desse conhecimento.
Para além disso, também o Conselheiro Carlos Cadilha entende que não existe aceitação quando, atenta a situação fáctica, outro comportamento não era exigível ao particular, visto que a rejeição total do acto agravaria a sua posição jurídica global de forma inaceitável.
Por fim, refira-se apenas que a doutrina tem vindo a defender a aplicação do princípio de que protestatio contra factum non valet no que toca à formulação de reservas, ou seja, não basta uma mera reserva formal da faculdade de impugnar, devendo a mesma ser desconsiderada se o comportamento concludente apontar no sentido da aceitação do acto.

André Marques
Nº 17177, subturma 3

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