terça-feira, 24 de maio de 2011

DA DECLARALÇÃO DA ILEGALIDADE POR OMISSÃO

A declaração de ilegalidade por omissão de normas regulamentares encontra-se prevista no art. 77.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos CPTA). Este mecanismo processual, decretado pelos Tribunais Administrativos, funciona, numa forma muito semelhante, como a fiscalização da inconstitucionalidade por omissão. Esta semelhança foi apontada por PAULO OTERO , aquando da discussão da reforma do Contencioso Administrativo.
Desta medida decorre a possibilidade de ser requerida - pelo Ministério Público ou por outras pessoas e entidades que tenham interesses abrangidos pelo art. 9.º, n.º 2 do CPTA e ainda aquelas que aleguem terem sofrido um prejuízo directamente resultante de tal omissão - a apreciação da ilegalidade por omissão tanto nas hipóteses de existir um dever (omitido) de regulamentar de referência expressa de uma lei em concreto; bem como nas hipóteses de haver (de forma indirecta) uma remissão implícita para o poder regulamentar como consequência da incompletude ou da inexequibilidade do acto legislativo em causa.
Estes dever (omitido) de agir tanto respeita aos casos em que existe um dever para desenvolvimento e completude de uma lei em concreto; como aos casos em que está em causa um poder discricionário de elaboração ou desenvolvimento de regulamentos ditos autónomos. Pois em ambas as situações está sempre em causa o cumprimento de um dever legal, seja ele de índole directa de um acto legislativo, seja de forma indirecta resultante da margem discricionária inerente da actividade administrativa.
A sentença que declara a ilegalidade proveniente da omissão de um dever regulamentar parece não ser algo totalmente claro, na medida em que se parece, simultaneamente, como uma sentença de simples apreciação e com uma sentença de condenação.
De acordo com o que se encontra estabelecido na lei (art. 77.º, n.º 2 CPTA), aquando da existência de um dever regulamentar se verificar a omissão do mesmo, o tribunal dará conhecimento à entidade competente dessa omissão, para que a mesma seja suprida no prazo por aquele apresentado, não inferior a 6 meses. Ora daqui parece decorrer que existe uma sentença de simples apreciação, na medida em que o tribunal dá a conhecer a ilegalidade da omissão à entidade competente. Mas por outro lado, parece existir uma sentença de condenação, uma vez que o tribunal, ao fixar um prazo à entidade em causa para suprir a ilegalidade, faz com que haja efeitos cominatórios, que se consubstanciam nesse mesmo prazo e que permitem ao infractor corrigir a ilegalidade.
De acordo com VASCO PEREIRA DA SILVA , não há nada que impeça a possibilidade de condenar a Administração na produção da norma regulamentar, antes omitida, à semelhança do que acontece aos actos administrativos devidos. E isto não quer dizer que se conduza à violação do princípio da separação de poderes, porque, e prosseguindo com a posição de VASCO PEREIRA DA SILVA, haveria sempre a necessidade de distinguir duas situações:
1) A primeira situação resulta do facto de se verificar a existência de um dever legal de emissão de um regulamento, mesmo que a lei confira à entidade competente para a emissão do regulamento, uma margem significativa de discricionariedade no conteúdo do mesmo. Neste caso, aquilo que o tribunal condenaria a Administração seria na emissão do regulamento em causa, não se imiscuindo no conteúdo do mesmo.
2) A segunda situação seria aquela em que não só há um dever de emissão de um regulamento, como a obrigação de existir determinado conteúdo (já previamente concretizado pelo legislador) no regulamento a emitir. Aqui, uma vez que existe a vinculação a dois deveres, segundo VASCO PEREIRA DA SILVA, não se vê o porquê de não condenar a Administração na emissão do regulamento com o conteúdo já previamente determinado pelo legislador, tal como ocorre com semelhantes actos administrativos.
No regime actual aquilo que é possível fazer é apenas ampliar a eficácia cominatória da sentença de simples apreciação, uma vez que, a par da fixação do prazo para se suprir a ilegalidade, pode juntar-se uma sanção pecuniária compulsória, logo no processo declarativo, nos termos do art. 3.º, n.º 2 CPTA. E ainda, o recurso aos mecanismos de processo executivo, no caso de incumprimento do prazo estipulado na sentença.


PAULO OTERO, “A Impugnação de Normas no Anteprojecto de Código de Processo dos Tribunais Administrativos”, in “Reforma do Contencioso Administrativo – Trabalhos Preparatórios – O Debate Universitário”, Ministério da Justiça, Lisboa, pág. 141.

VASCO PEREIRA DA SILVA, “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise – Ensaio sobre as Acções no Novo Processo Administrativo”, Almedina, pág. 433 e 434.

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