Em primeiro lugar, a revisão constitucional de 1982 veio alterar o compromisso originário do Contencioso Administrativo.
Desde logo, a Constituição começou por continuar a consagrar uma garantia “de recurso contencioso” (agora nos termos do artigo 268º/3) mas acabou por acrescentar dois elementos ao referir “independente da sua forma” e “bem como para obter o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido”.
Esta referência ao “reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido” tem subjacente a ideia da dimensão subjectiva do contencioso. Efectivamente, a Constituição acaba por indicar a protecção dos direitos individuais como o verdadeiro compromisso da Justiça Administrativa. No entanto, e como assinala o Professor Vasco Pereira da Silva, essa referência pode ser interpretada no sentido de significar apenas a abertura do recurso de anulação à tutela de direitos ou interesses legalmente protegidos.
Efectivamente acabou por ser esta segunda interpretação que veio a prevalecer, até porque como indica o mesmo Professor, a “revisão constitucional de 1982 continua a manter esse mesmo direito fundamental de recurso (…) mas vai completar a vertente subjectiva do Contencioso Administrativo através da referência à necessidade de garantir também os direitos dos cidadãos em face da Administração (…)”.
A reforma de 1984/85, por sua vez, estabeleceu a hipótese de haver recurso contencioso contra actos administrativos independentemente da forma; a possibilidade de impugnação contenciosa dos regulamentos administrativos; e ainda a criação de um novo meio principal, a acção para o reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos.
No entanto esta mesma reforma foi incompleta. Efectivamente, esta reforma acabou por não proceder à revogação global da legislação reguladora do Contencioso Administrativo, acabando por manter em vigor certas disposições de diplomas da ordem constitucional anterior. Tal situação acabou por gerar uma série de situações adversas:
- gerou dúvidas, pois nem sempre se sabia exactamente quais as normas dos diplomas anteriores que tinham sido revogadas ou que se encontravam em vigor.
- gerou dificuldades, pois assim obrigou o intérprete e o aplicador de direito a consultar inúmeros diplomas para encontrar a regra processual aplicável.
- gerou incongruências, já que nem sempre seria possível a compatibilização de diplomas elaborados no âmbito de ordens constitucionais diferentes.
Já a revisão de 1989 implicou uma radical transformação do compromisso constitucional acerca do modelo do Contencioso Administrativo. Com efeito, foi em 1989 que se estabeleceu que os tribunais administrativos e fiscais constituíssem uma jurisdição própria e o que levou à consumação da institucionalização plena da Justiça Administrativa.
Outro ponto decisivo que adveio desta revisão foi o desdobramento da garantia constitucional de acesso à Justiça Administrativa em dois direitos fundamentais:
- o primeiro relativo ao recurso de anulação (268º/4)
- o segundo prendia-se com os restantes meios processuais (268º/5)
Destes direitos fundamentais, acabou por resultar a consagração de um princípio constitucional de protecção jurisdicional plena e efectiva dos particulares, o que levava ao abandono da noção autoritária de acto definitivo e executório, acentuando o factor de protecção jurídica subjectiva.
Os actos administrativos passam a ser recorríveis desde que sejam lesivos de direitos dos particulares, quer sejam actos praticados no termo de um procedimento, quer sejam actos preliminares ou intermédios desse mesmo procedimento.
A garantia de recurso contencioso seria ainda completada com um direito fundamental de acesso à Justiça Administrativa, seja qual for o meio processual que esteja em causa (principal, acessório ou complementar). Esta ligação de dois direitos fundamentais acabaria por tornar inequívoca a consagração do princípio da tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares (destinado a garantir os direitos dos particulares nas relações jurídicas administrativas).
Ainda em 1996, surgiu o DL 229/96 de 21 de Março que tinha como objectivo resolver problemas de organização dos tribunais administrativos através da criação do Tribunal Central Administrativo enquanto “instância jurisdicional intermédia entre os Tribunais Administrativos de Círculo e o Supremo Tribunal Administrativo”. Ora, a criação dessa mesma instância intermédia não se mostrou capaz de enfrentar as situações que estavam a causar disfunções na organização da Justiça Administrativa, as quais constavam em:
- desdobramento de tarefas, o qual conduzia a uma excessiva acumulação de tarefas de processos a nível do Supremo Tribunal Administrativo
- ausência de tribunais especializados em função da matéria, no âmbito da jurisdição administrativa, que por sua vez, era especialmente sentida em certos domínios do Direito Administrativo Especial
Por sua vez, nem a Lei da Acção Popular, nem as alterações que entretanto haviam sido feitas ao E.T.A.F. foram capazes de diminuir o grande interregno existente entre o modelo constitucional de Contencioso Administrativo e a sua realização legislativa.
Finalmente, a revisão de 1997 veio apresentar ainda outra alteração ao compromisso constitucional em matéria de Contencioso Administrativo, mais uma vez direccionado ao objectivo de conseguir a sua total jurisdicionalização e subjectivização.
O legislador, além de reconfirmar as grandes decisões tomadas com a reforma de 1989, acabou por regular de um modo novo a garantia constitucional de acesso à Justiça Administrativa:
- centralização do princípio da protecção plena e efectiva dos direitos dos particulares, de modo a levar a um seu maior destaque e importância
- consagração de um sistema de plena jurisdição, em que o juiz goza de todos os poderes necessários e adequados à protecção dos direitos dos particulares
- inclusão expressa do direito fundamental de impugnação de normas
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