A condenação à prática do acto devido tem como inspiração ao Art.268º/4CRP que garante “aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente (…) a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos”.
A reformulação do referido artigo supra pela mão da revisão constitucional de 1997 permite uma reafirmação do princípio da tutela jurisdicional efectiva na vertente subjectivista de garantia pelos direitos dos particulares contra a administração, pois possibilita a faculdade de “interpelar a administração a cumprir” pela “determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos”. Assim, e como ressalva VASCO PEREIRA DA SILVA, a assunção à natureza de direito fundamental a disposição do Art.18ºCRP aplica-se de uma forma imediata, efectiva e plena de modo a permitir a interpretação da previsão na criação de um novo meio processual de natureza condenatória criado pelo legislador constituinte[1].
A pendência para a tutela subjectivista abriu para novas implicações: ora substantivos, ora processuais.
A nível substantivo com a eliminação do “indeferimento tácito” e no âmbito processual com a superação do “clássico” recurso contencioso em relação ao conteúdo pretensivo ou dinâmico dos interessados. Como ressalva, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA E RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA o problema residia na passagem de uma Administração agressiva para uma Administração “prestadora” (quanto a sua inserção no Estado Social) mas também controladora quando se lhe requer uma pronúncia, licença, autorização, entre outros actos prévios e descondicionados ou constitutivos da possibilidade de exercício de um direito dos particulares[2].
Nesta situação, o recurso de mera anulação não cumpria as exigências impostas pela efectiva tutela jurisdicional. Além do mais, seguindo ainda o raciocínio dos autores referidos supra, se a administração fosse interpelada por um particular a solicitar, por exemplo, uma licença e a mesma optasse por não responder ou indeferir a pretensão apenas seria possível a condenação da Administração à prática do acto requerido num só processo que teria de ter como objecto a própria pretensão material para assegurar a resolução definitiva e global do litígio.
Ainda assim, o litígio cingia-se a saber se aquele acto como foi praticado e fundamentado era ou não legal sendo que a consequência possível seria a sua anulação pelo Tribunal e retirá-lo da ordem jurídica[3].
Com a introdução do processo de condenação à prática do acto devido afastamos, assim, a possibilidade de os interessados utilizarem a via impugnatória como meio de reacção contra os indeferimentos (em especial contra o silêncio da Administração), ou seja, contra a omissão do dever de decidir implicou a extinção do indeferimento tácito (encontra-se disposto no Art.109º/1CPA).
Tal consequência provoca alteração de semânticas, pois a inércia da autoridade administrativa deixa de ser a presunção legal com conteúdo negativo mas uma omissão pura e simples (ressalve-se que a lei não deve considerar expressamente a situação de deferimento tácito), e por isso deve se considerar revogada a parte final do Art.109º/1CPA quando dispõe que a falta de decisão confere aos interessados de “presumir indeferida a pretensão, para poder exercer o respectivo meio legal de impugnação”.
Contudo, o nº2 e o nº3 do mesmo artigo não se encontram revogados, pois ao determinar o prazo geral do dever de decisão e ao definir o termo inicial desse prazo importam para os efeitos do disposto na alínea a) do Art.67º e do 69º do CPTA.
Agora, basta por meio da acção administrativa especial “obter a condenação da entidade competente à prática, dentro de determinado prazo, de um acto administrativo ilegalmente omitido ou recusado”, para que se atinja a condenação à prática de um acto administrativo que ou foi ilegalmente omitido ou indeferido sob pretensão do interessado. Ou seja, e nas palavras de Vieira de Andrade, o pedido que permitirá obter a condenação da administração para a prática do acto administrativo num determinado prazo será o acto “devido” ao particular.
O acto devido é, e cintando VIEIRA DE ANDRADE, “aquele acto administrativo que na perspectiva do autor, deveria ter sido emitido e não foi, quer tenha havido uma pura omissão ou uma recusa, quer mesmo, quando tenha sido praticado um acto que não satisfaça a sua pretensão”[4].
Contudo, não tem que ser um acto estritamente vinculado perante a lei pode surgir de circunstâncias em que existe discricionariedade que perante o caso concreto implicam a emissão obrigatória, além do mais, segundo MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA E RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, o acto devido pode não ter necessariamente todos os seus elementos, “nomeadamente ao seu quid (contéudo), podendo cingir-se, até, apenas ao na ou quando da sua actuação, isto é, ao dever de se pronunciar, de tomar uma qualquer decisão sobre a situação administrativa”[5].
Pode, então, a condenação judicial à prática do acto devido limitar-se à imposição de a Administração decidir expressamente sobre tal situação, mesmo que determinação do acto em causa possa depender de juízos próprios e exclusivos da administração, sendo esta condenada a respeitar as vinculações a que está submetida na prática desse acto[6].
Conclui, então, os mesmos autores que o acto cuja prática é imposta À Administração pode resultar tanto de lei, regulamento, contrato ou acto administrativo anterior imposto por um qualquer precedente jurídico que vincula sobre um acto administrativo a praticar pela Administração, sendo, por isso, fundamental a pretensão do interessado referir-se a um aspecto vinculado do acto administrativo a praticar e que compreenda o dever de agir/dever de praticar o acto administrativo para a apreciação do caso concreto no Tribunal para a identificação da solução legalmente possível.
Mesmo assim, deve-se ressalvar que a obrigação “legal” a que a Administração lhe incumbe deve ser entendida na sua amplitude de modo a abranger a generalidade dos casos em que a omissão ou recusa sejam contrárias à ordem jurídica ou que impliquem um mero dever de boa administração sejam no mínimo excluídas[7].
Em confirmação como que resulta do Art.66º/1 CPTA, o n~2 do mesmo artigo demonstra que na condenação da Administração o que importa para a averiguação da prática ou não do acto devido é necessário a apreciação da própria pretensão material (e não a averiguação da ilegalidade da conduta da Administração pública) do interessado, em suma será examinado a legalidade do acto cuja prática havia requerido e que foi ou ilegalmente omitido ou recusado incidindo directamente sobre a relação material controvertida.
Concluí-se, então, que não está apenas em causa a condenação da Administração À prática do acto mas sim essa condenação pode ocorrer após o decorrer do prazo determinado no Art.109º/2CPA em que o acto deve ser praticado.
Ainda assim, no caso concreto é necessário que, primeiro, para existir omissão ou recusa o particular interessado deverá de ter deduzido um pedido dirigido à prática de um acto administrativo e, segundo, que esta omissão/recusa resulte de uma norma, disposição regulamentar ou vínculo contratualmente assumido constitua um dever de praticar o acto devido que, segundo as palavras de AROSO DE ALMEIDA, “pelo menos para o efeito (processual) ” habilite “o interessado à propositura da correspondente acção de condenação”.
Consequentemente, o acto devido caracteriza-se pela obrigatoriedade legal na sua emissão pois estão em causa a defesa dos direitos subjectivos dos particulares, já que, e reforçando esta premissa, o próprio Art.66º/2CPTA estabelece que “ o objecto do processo é a pretensão do interessado e não o acto de indeferimento, cuja eliminação da ordem jurídica resulta directamente da pronúncia condenatória” protegendo os direitos dos particulares perante a conduta ou a omissão da mesma por o objecto do processo não ser o acto administrativo mas a pretensão que lesou o particular no seu direito e sobre a qual o mesmo se pronunciou[8].
Finalizando, deve-se ressalvar que a omissão tornou-se no “silêncio” da Administração e não nas situações de indeferimento tácito. Não será, então, necessário ficcionar as situações em que a Administração se tornava omissa ou “sofria” de inércia decisória, com excepção das qualificações em lei especial de disposições sufragadas com actos administrativos de base em ficções legais de conteúdo positivo às pretensões dos particulares – Deferimento Tácito –.
Mas também não pode ficar em branco, o facto de o acto ser ainda susceptível de recurso hierárquico necessário por ter sido praticado por um subalterno, por exemplo, não lhe permite abrir portas à condenação do acto devido pois deve seguir primeiro a via administrativa junto do respectivo superior hierárquico. Será, então, apenas dado acesso ao Tribunal em caso de o superior hierárquico ter omitido ou indeferido a pretensão que foi formulada no tal recurso hierárquico[9].
[1] SILVA, VASCO PEREIRA DA; “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise: Ensaio Sobre as Acções no Novo Processo Administrativo”, Almedina, 2005;
[2] OLIVEIRA, Mário Esteves/ OLIVEIRA, Rodrigo Esteves, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Volume I, Almedina, 2004
[3] Indem, supra 2,
[4] VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa, 11.ª edição, Almedina, 2011
[5] OLIVEIRA, Mário Esteves/ OLIVEIRA, Rodrigo Esteves, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Volume I, Almedina, 2004
[6] OLIVEIRA, Mário Esteves/ OLIVEIRA, Rodrigo Esteves, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Volume I, Almedina, 2004
[7] VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa, 11.ª edição, Almedina, 2011
[8] SILVA, VASCO PEREIRA DA; “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise: Ensaio Sobre as Acções no Novo Processo Administrativo”, Almedina, 2005
[9] AROSO DE ALMEIDA, Mário O Novo Regime dos Processos nos Tribunais Administrativos, 3.ª edição, Almedina, Maio, 2004
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