MERITÍSSIMO JUIZ DE DIREITO DO TRIBUNAL
ADMINISTRATIVO E FISCAL DE CÍRCULO DE LISBOA
João Àrasquinha, casado, 64 anos, com residência na Rua Tourinho, n.º 10, 1700-322, Lisboa, contribuinte n.º 141 186 332, vem instaurar, em coligação passiva,
CONTRA:
Ministério da Economia, da Inovação e do Desenvolvimento, com sede na Rua da Horta Seca, n.º 15, 1200-221 Lisboa, Acção Administrativa Especial para a anulação do acto administrativo, nos termos do art. 46º do CPTA;
Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, com sede na Rua de São Mamede ao Caldas, n.º 21, 1149-050 Lisboa, Acção Administrativa Especial para a anulação do acto administrativo, nos termos do art. 46º do CPTA,
em que é Contra-Interessada a Empresa Sóbetão, com sede na Rua Isidoro Paes, n.º 51, 1700-063 Lisboa,
nos termos e com os fundamentos seguintes:
DOS FACTOS:
1.º
O Autor é funcionário público do Ministério da Economia, da Inovação e do Desenvolvimento, doravante MEID, desde o dia 7 de Setembro de 1998.
2.º
Desde 1 de Fevereiro de 2005 que ocupa o cargo de Chefe de Gabinete.
3.º
No dia 21 de Maio de 2011, o Autor tomou conhecimento, através da consulta do seu recibo de vencimento, tal como por informação prestada pelos serviços administrativos do MEID, que o vencimento correspondente ao mês de Maio de 2011 foi-lhe processado por um valor ilíquido reduzido, por aplicação de uma taxa de redução que se encontra expressamente referenciada no respectivo recibo de vencimento [em anexo].
4.º
Sendo assim, o Autor recebeu uma remuneração ilíquida de €1.565,19, em vez da remuneração habitual de €1739,10.
5.º
Por conseguinte, verifica-se uma redução objectiva do seu salário, com a agravante de a mesma não ter sido efectuada de forma explícita e transparente.
6.º
Não pode o Autor conformar-se com tal acto, porquanto, o mesmo se reveste de manifesta ilegalidade e inconstitucionalidade.
7.º
Acresce que, apesar da alegada necessidade de redução salarial dos funcionários públicos, o MEID procedeu à contratação de 20 novos trabalhadores distribuídos por diversos sectores do Ministério.
8.º
O Autor tem ainda conhecimento do aumento salarial de que vários funcionários do MEID beneficiaram.
9.º
A redução objectiva do salário ora operada constitui um grave prejuízo pessoal e familiar para o Autor que, dessa forma, vê as suas condições de vida irreparavelmente postas em causa e provoca de imediato impossibilidade financeira de pagamento de todas as suas obrigações e contratos contraídos na gestão da sua vida privada com base na sua remuneração anterior, em virtude de não ter sido expectável a redução da sua remuneração ilíquida mensal.
10.º
Sucede que o Autor tem 3 filhos, todos eles a estudarem no Ensino Superior, os quais viram o seu requerimento de Bolsa de Estudo indeferido.
11.º
Além disso, a sua mulher, Antónia Àrasquinha, encontra-se desempregada desde o despedimento colectivo pelo qual foi abrangida, levado a cabo pela empresa Catering, S.A.
12.º
O Autor contraiu um crédito à habitação no valor de €150.000,00, implicando a redução salarial a impossibilidade de cumprimento pontual das prestações mensais.
13.º
Sendo a idade legal de Reforma de 65 anos e, tendo o Autor 64 anos, já havia este recebido uma proposta por parte da entidade patronal no sentido de extinguir o seu vínculo laboral beneficiando de reforma antecipada.
14.º
O Autor não aceitou tal proposta, visto esta implicar um prejuízo sério para a sua situação económica.
15.º
Todavia, perante a actual redução salarial, o valor da reforma será baseado na remuneração inferior agora obtida, ao contrário do que aconteceria se o autor se tivesse reformado anteriormente, quando o valor da reforma seria determinado de acordo com a remuneração mais elevada que entretanto deixou de obter.
16.º
Assim, o Autor planeou legitimamente a sua vida sem contar com a redução salarial em causa.
17.º
O Governo Português, em acordo com o FMI, BCE e Comissão Europeia, comprometeu-se a suspender todas as iniciativas públicas que envolvessem investimentos extraordinários, nomeadamente as destinadas à construção do segundo Aeroporto de Lisboa.
18.º
O Autor é proprietário de um imóvel situado a 4 km da área onde se prevê a construção do novo Aeroporto.
19.º
A construção do Aeroporto irá implicar uma redução da qualidade de vida do proprietário, pondo em causa o seu direito ao descanso e sono.
20.º
O nível de poluição sonora e atmosférica na área será gravemente afectado.
21.º
A redução salarial acompanhada pela simultânea construção do Aeroporto demonstra uma incoerência entre as actuações dos Ministérios em causa.
22.º
Essa situação demonstra que existem outras alternativas, como a suspensão da construção do Aeroporto, à imposição de um tal sacrifício ao particular.
DO DIREITO:
23.º
Nos termos do art. 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP,) todos os actos administrativos que lesem os administrados são impugnáveis.
24.º
De acordo com o artigos 46.º, n.º 2, al. a), e 50.º, n.º 1, do CPTA, são deduzidos dois pedidos de anulação do acto administrativo contra dois Ministérios, verificando-se uma situação de coligação pelo art. 12.º, n.º1, a), primeira parte, do CPTA.
25.º
A relação de prejudicialidade justifica-se pela eventual suspensão da construção do Aeroporto permitir a afectação do dinheiro público ao combate à crise, pelo que não seria necessário proceder à redução salarial.
26.º
De acordo com o art. 51.º, n.º 1, do CPTA, o acto de redução salarial é impugnável por força do critério da susceptibilidade de lesão do Autor.
27.º
O Autor tem legitimidade activa como se comprova nos termos do art. 55.º, n.º 1, a), do CPTA, na medida em que alega ser titular de um interesse directo e pessoal.
28.º
Conforme o disposto no art. 10.º, n.os 1 e 2, do CPTA, o MEID é parte legítima.
29.º
O prazo de três meses previsto no art. 58.º, n.º 2, a), do CPTA, para a impugnação de actos anuláveis encontra-se respeitado.
30.º
Nos termos do art. 59.º, nº1, al. a) da CRP, todos os trabalhadores têm direito à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna.
31.º
Por sua vez, o art. 1º, da CRP, refere que a República Portuguesa baseia-se na dignidade humana.
32.º
Por força do art. 9.º, al. d), da Lei Fundamental, a promoção do bem-estar e da qualidade de vida do povo, tal como a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais constitui uma tarefa fundamental do Estado.
33.º
Também o art. 81.º, al. a), da CRP, prevê como incumbência prioritária do Estado, no âmbito económico e social, a promoção do aumento do bem-estar social e económico e da qualidade de vida das pessoas.
34.º
A redução salarial é inconstitucional.
35.º
Como afirma o Professor Doutor Bacelar Gouveia: “não se percebe como é que se pode reduzir salários a título definitivo invocando um momento de crise que se espera seja temporário. Isso põe em causa a estabilidade a que os trabalhadores têm direito no seu vencimento. É uma coisa sagrada que a Constituição protege. O Estado não pode de um modo desproporcionado e não justificado reduzir salários numa altura em que já não vai ser necessário”.
36.º
Esta posição é igualmente sufragada pelo Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa.
37.º
O Professor Doutor Garcia Pereira afirma no seu parecer que “afectando situações jurídicas anteriormente constituídas e comprometendo as legitimas expectativas à integralidade e não redutibilidade remuneratória com base nas quais os trabalhadores visados oportunamente fizeram as suas opções e contraíram as suas obrigações, violenta de forma grave, desproporcionada e, logo, intolerável o principio da confiança ínsito na ideia de Estado de direito consagrada no art. 2º da CRP, estando consequentemente tal normativo ferido de nova inconstitucionalidade material por desrespeito relativamente a tal preceito e principio constitucional”. [em anexo]
38.º
Está em causa uma restrição ao direito fundamental ao salário (retirado do art. 59.º, n.º 1, al. a), da CRP), que viola o art. 18.º, n.º 3, da CRP, pois tal medida revela-se desproporcionada, ainda mais num contexto em que se pretende proceder à construção de um novo Aeroporto.
39.º
Além disso, o principio do não retrocesso social, reconhecido por ampla doutrina (Jorge Miranda, Gomes Canotilho, Vital Moreira e outros ([1])), impede a redução salarial quando a realidade revela alternativas no combate à crise, nomeadamente, a suspensão da construção do dito aeroporto.
40.º
A redução unilateral das remunerações apenas dos trabalhadores da Administração Pública, mantendo-se a intangibilidade das retribuições do regime laboral privado, sem que exista qualquer fundamento juridicamente válido para impor aos primeiros menores direitos e garantias do que aos segundos, consubstancia uma diferenciação de tratamento sem fundamento material razoável, ou seja, uma discriminação inquinada de outra inconstitucionalidade material, agora por violação do art. 13º, da CRP.
41.º
De acordo com o art. 51.º, n.º 1, do CPTA, o acto determinador da construção de Aeroporto é impugnável por força do critério da susceptibilidade da lesão do Autor.
42.º
O Autor tem legitimidade activa como se comprova nos termos do art. 55.º, n.º 1, al. a), do CPTA, na medida em que alega ser titular de um interesse directo e pessoal.
43.º
Conforme o disposto no art. 10.º, n. os 1 e 2 do CPTA, o Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações (MOPTC) é parte legítima.
44.º
O prazo de três meses previsto no art. 58.º, n.º 2, al. a), do CPTA, para impugnação de actos anuláveis, encontra-se respeitado.
45.º
Por sua vez, o art. 1º, da CRP, refere que a República Portuguesa baseia-se na dignidade humana.
46.º
O direito de propriedade é um direito fundamental (art. 62.º, da CRP), cujos benefícios a este inerente são altamente prejudicados pela construção do Aeroporto, nomeadamente a faculdade de uso e fruição em toda a sua plenitude do bem-estar que aquele imóvel pode proporcionar.
47.º
É incumbência do Estado defender a natureza e o ambiente, nos termos do art. 9.º, al. e), da CRP.
48.º
O direito ao ambiente é um direito fundamental, previsto no art. 66.º, n.º 1, da CRP, impondo ao Estado, como forma de tutela de tal direito, a incumbência de prevenção e controlo da poluição e dos seus efeitos (art. 66.º, nº 2, al. a)).
Nestes termos e no mais de direito aplicável deve a presente acção ser julgada procedente por provada e em consequência:
a) Ser anulada a decisão de redução salarial que afectou o Autor, nos termos do art. 46.º, n.º 2, a) e 50.º, n.º 1, CPTA;
b) Ser o MEID condenado ao pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais no valor de €100 (pelo não pagamento atempado da prestação mensal do crédito à habitação), tal como o pagamentos dos juros de mora à taxa legal pelo atraso no pagamento do montante total do salário até ao integral pagamento, e por danos não patrimoniais, no valor de €5.000, pela frustração das expectativas e pela angústia perante a difícil situação económica em que se encontra, de acordo com o art. 37.º, n.º 2, al. f), CPTA.
c) Ser anulado o acto que determina a construção do Aeroporto, 46.º, n.º2, a) e 50.º, n.º1, CPTA; subsidiariamente, se se entender que tal não é oportuno, pede-se a condenação do MOPTC no pagamento de uma indemnização no valor de 8.000 € pelos danos patrimoniais e não patrimoniais derivados pela diminuição da qualidade de vida causada pela construção, nos termos do art. 37.º, n.º 2, al. g), CPTA.
Para tanto requer-se a citação do MEID, do MOPTC e da empresa Sóbetão para contestar, querendo, seguindo-se os demais termos do processo até final.
Arrola-se como testemunhas:
- António Jerónimo Mendonça, economista reputado, com residência na Rua da Economia Paralela, n.º 17, 1600-444 Lisboa.
- Antónia Menezes Pina, funcionária do departamento de recursos humanos do MEID, com residência na Rua das Externalidades Positivas, n.º 13, 1302-002 Lisboa.
- João Silva Pereira, engenheiro civil, com residência na Rua do Pecado Original, n.º 33, 1200-55 Lisboa.
Valor da acção: € 5114, 23 mais juros vincendos.
Junta:
- Parecer do Professor Doutor Garcia Pereira;
- Registo predial do imóvel do Autor;
- Recibo anterior e recibo posterior à redução salarial;
- Comprovativo de pagamento da Taxa de Justiça Inicial;
- Procuração forense.
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