segunda-feira, 9 de maio de 2011

Impugnação de Normas - Evolução, Âmbito e Pressupostos

Evolução:
Depois da reforma de 84/85 podemos assistir a um fenómeno de um contencioso de normas administrativas de alcance genérico. Esta reforma teve como inspiração, nomeadamente, a reacção legislativa contra um sistema de controlo dos regulamentos muito limitado bem como a influência da Constituição e do respectivo sistema de fiscalização da constitucionalidade de normas.
Veio mesmo a encontrar expressão constitucional no Art. 268º/5, consagrando o direito dos cidadãos a “impugnar as normas administrativas com eficácia externa lesiva dos seus direitos
ou interesses legalmente protegidos”.
As transformações por que passaram as formas de actuação em que a multilateralidade surge como característica mais marcantes da Administração do Estado Pós-Social resultam na proliferação de normas jurídicas emanadas de órgãos administrativos o que levou, consequentemente, à criação de mecanismos processuais para controlar a validade dos regulamentos e proteger s direitos dos indivíduos.

Coloca-se a questão prévia de saber o que se deve entender por regulamentos administrativos para efeitos processuais. Hoje em dia, a doutrina tende a centrar-se na generalidade (multiplicidade de destinatários) e na abstracção (multiplicidade de situações da vida) para caracterizar as normas jurídicas, sendo          que, também o legislador do Código do Procedimento Administrativo define o acto administrativo em razão da produção de efeitos jurídicos “numa situação individual e concreta”, de acordo com o Art. 120º CPA, não estabelecendo qualquer exigência em matéria de regulamentos administrativos (Art. 114º e ss).

Assim, a impugnação de normas administrativas, regulada nos Arts. 72º e ss do CPTA é aplicável a todas as situações bjuridicas gerais e abstratas ou que possuam apenas uma dessas características, emanadas de autoridades publicas que com elas colaborem no exercici da função administrativa.

Antes da reforma havia três possibilidades de reagir contra regulamentos administrativos, sendo:
1-      Uma via incidental, em que o regulamento era apreciado apenas indirectamente, como incidente da questão principal que seria o recurso directo de anulação de um acto administrativo;
2-      Um meio processual genérico, que consistia na declaração de ilegalidade de normas administrativas; meio utilizável contra qualquer norma regulamentar;
3-      Um meio processual especial, que seria a impugnação de normas, qu tinha um âmbito de aplicação limitado, pois respeitava apenas aos regulamentos provenientes da denominada administração local comum.

O “novo” regime veio consagrar, nomeadamente:
1-      Uma uniformização do regime jurídico do contencioso regulamentar, surgindo uma subespécie da acção administrativa especial, qualificada em razão do pedido de impugnação de normas jurídicas;
2-      O estabelecimento de um regime de restrições aos requisitos de apreciação de normas regulamentares.
Verifica-se que as condições de apreciação das normas jurídicas dependem também da legitimidade, pois o legislador distingue três regras diferentes:
a)      A regra geral que é a de que a declaração de ilegalidade depende da existência de três casos concretos em que “a aplicação da norma tenha sido recusada por qualquer tribunal…,com fundamento na sua ilegalidade” – Art. 73º/1 CPTA;
b)      Acção pública em que o Ministério Público pode pedir a declaração da ilegalidade, mesmo quando não se verifiquem três casos concretos de desaplicação (Art. 73º/3 CPTA), acrescido de um dever de pedir a referida declaração com força obrigatória geral quando tenha conhecimento de três casos de desaplicação com fundamento na invalidade da norma (Art. 73º/4).
c)       Acção para defesa de direitos bem como acção popular, sendo que a declaração de ilegalidade também pode ter lugar quando se trate de norma jurídica imediatamente exequível, mas neste caso, produzindo efeitos apenas no caso concreto (Art. 73º/2).

Âmbito:
Desta forma, pode-se considerar que a impugnação de normas apresenta duas modalidades, já que se admitem dois tipos de pedidos: o pedido de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral e o pedido de declaração de ilegalidade no caso concreto, tal como refere o Prof, Dr. Vieira de Andrade.
Esta nova modalidade de impugnação de normas (declaração de ilegalidade no caso concreto) tem gerado alguma controvérsia na doutrina. O já referido Prof. Vieira de Andrade embora considere que a solução do Código assegura a protecção plena dos titulares dos direitos e interesses legalmente protegidos ao nível do caso concreto, tem duvidas que em certos casos seja necessária a declaração da ilegalidade com força obrigatória geral para a protecção dos direitos dos particulares ou para o interesse público, dando como exemplo a regulação de actividades privadas em áreas de concorrência.
O Prof. Vasco Pereira da Silva considera esta disposição violadora do direito fundamental de impugnação de normas jurídicas lesivas, consagrado no Art 268º/5 CRP pois, ao estabelecer que a impugnação de normas gerais e/ou abstractas só tem efeitos concretos, cria uma restrição que afecta a extensão e o alcance do conteúdo essencial do direito.
Do ponto de vista Europeu, a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (sentença Kuhne, de 13 de Janeiro de 2004) tem vindo a consagrar a regra do afastamento da ordem jurídica das decisões públicas ilegais em detrimento da perspectiva da salvaguarda dos efeitos produzidos, nomeadamente ao estabelecer que o julgamento de ilegalidade de uma norma, por violação do Direito Europeu, não deve permitir a subsistência da sua aplicação na ordem jurídica de um Estado membro, mesmo quando ela decorra de uma decisão judicial.

Assim o Prof. Vasco Pereira da Silva refere que devemos interpretar esta norma de modo conforme à Constituição e ao Direito Europeu, generalizando o regime da declaração de ilegalidade com força obrigatória geral (Art. 73º/1 CPTA) a todas as modalidades de impugnação de normas jurídicas, independentemente do seu autor.

De referir que o objecto do processo e, consequentemente, a sua causa de pedir tanto pode ser a legalidade directa como indirecta, podendo estar em causa vicio próprios dos regulamentos, ou derivados da invalidade de actos praticados no âmbito do respectivo procedimento de aprovação (Art. 72º/1 CPTA).

A invalidade do regulamento pode resultar da violação das disposições constitucionais e esta pode ser conhecida através do processo de impugnação de normas, sendo neste caso, uma situação de fiscalização concreta da constitucionalidade de normas administrativas (Art. 280º CRP), que é realizada pelo Tribunal Administrativo competente, esclarecendo por isso o Art. 72º/2 CPTA a não confusão com o regime da fiscalização abstracta da constitucionalidade, da competência do Tribunal Constitucional (Art. 281º CRP).
A sentença de declaração legalidade com força obrigatória geral goza de eficácia retroactiva e repristinatória (Art. 76º/1 CPTA) mas não afecta os casos julgados como refere o nº 3 do mesmo artigo.

Pressupostos:
Legitimidade e Procedibilidade dos Regulamentos: está consagrada a legitimidade dos titulares de posições jurídicas subjectivas, do actor público e do actor popular diferenciando do ponto de vista procedimental, nomeadamente: se se tratar de acção pública, são impugnáveis todos os regulamentos, sejam ou não exequíveis por si mesmos e tenha ou não havido prévia decisão judicial de não aplicação em três casos concretos (Art. 73º/1 e 3 CPTA); sendo uma acção para defesa de interesses próprios ou acção popular exige-se que tenha havido antes três sentenças de desaplicação no caso concreto (Art. 73º/1 CPTA), ou que se trate de regulamento imediatamente exequível – mas neste caso, a declaração de ilegalidade só produz efeitos no caso concreto.
Interesse – não tem que se actual podendo ser apenas futuro, já que a impugnação de normas está aberta a quem seja prejudicado pela aplicação “ou possa previsivelmente vir a sê-lo em momento próximo” (Art. 73º/1 CPTA).
Oportunidade do Pedido – não se encontra sujeito a prazo, podendo a declaração de ilegalidade ser “pedida a todo o tempo” (Art. 74º CPTA).

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