quarta-feira, 25 de maio de 2011

Acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Circulo de Lisboa

Acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Circulo de Lisboa



Processo n.º 4738/11.8
Secção: Contencioso Administrativo e Tributário
Data do Acórdão: 25/05/2011
Relatores: José Indeferes
Descritores: Redução Salarial/Suspensão de investimentos públicos extraordinários

SUMÁRIO:

I-                    Não há violação do princípio constitucional de “ trabalho igual, salário igual” (art. 59.º n.º1 a) CRP), pois para além de ser matéria vinculada e a Administração não dispor de qualquer liberdade na sua fixação, esta medida impõe-se na sequência de um compromisso do Governo Português com o FMI, BCE e Comissão Europeia.
II-                  Com efeito, não podendo ser anulada a decisão de redução salarial, indefere-se a condenação ao pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais pelo não pagamento atempado da prestação mensal do crédito à habitação, tal como o pagamento de juros de mora.
III-                Quanto à anulação do acto que determina a construção do Aeroporto, este também não procede, uma vez que, ficou provado em sede de julgamento, a inexistência de qualquer causa-efeito entre redução salarial e construção do segundo aeroporto de Lisboa.
IV-                O Autor não demonstra a efectiva, ou mesmo potencial, redução da qualidade de vida por tal construção, pois considerando os documentos juntos aos autos, ficou provado que a proposta de construção do novo aeroporto era relativa a Alcochete e o Autor sita em Lisboa.
V-                  Deste modo, nega-se também provimento à indemnização solicitada pelo Autor, não se tendo verificado a imposição ao mesmo de quaisquer sacrifícios por razões de interesse público, nos termos do Art. 37.º n.º2 g) CPTA.





MATÉRIA de FACTO:

Dá-se por reproduzida a matéria de facto, constante do despacho saneador, com excepção dos pontos G e K dos factos assentes.

A - J.A. é funcionário público do MEID, desde o dia 7 de Setembro de 1998.

B-  Desde 1 de Fevereiro que ocupa o cargo de chefe de gabinete.

C-  No dia 21 de Maio de 2011 verificou-se a efectiva redução pela taxa de 10%, no salário auferido pelo autor. Neste sentido, o autor recebeu como valor ilíquido de € 1.565.19, em vez da remuneração habitual de € 1.739.10.
         D -   O MEID procedeu à contratação de 20 novos trabalhadores distribuídos pelo Ministério.

E-Verificou-se ainda, por parte do MEID, um aumento salarial de vários funcionários.

F-   É facto assente que o autor é proprietário de uma habitação sita na Rua Tourinho, nº10, 1700-322, Lisboa.

H-         O autor recebeu uma proposta por parte da entidade patronal (MEID), para extinguir o seu vínculo laboral, de modo a beneficiar da reforma antecipada.

I-                  O autor não aceitou a proposta referida no ponto anterior.

J-             Dá-se como facto assente a proposta de construção do novo Aeroporto de Lisboa entre a SóBetão e o Governo Português.

L-     A SóBetão efectuou um investimento de € 14.500.000 para construção do novo Aeroporto e consequentemente teve um prejuízo de igual valor.

A habitação referida no ponto F dos factos assentes não se encontra situada a 4km de onde se prevê a construção do aeroporto, uma vez que, confirmou-se perante este tribunal, que a proposta de construção do novo aeroporto era relativa a Alcochete e o autor sita em Lisboa.

Atendendo ainda à reclamação por parte do autor contra a selecção da matéria de facto constante no ponto K dos factos assentes, o Tribunal decidiu, nos termos do artigo 511º do CPC, a suspensão de todas as iniciativas públicas que envolvessem investimentos extraordinários por parte da decisão tomada entre o Governo Português e o BCE, a Comissão Europeia e o FMI, nomeadamente a construção do novo Aeroporto de Lisboa.

Ainda assim, quanto à prova de factos controvertidos ficou provado que o autor tomou conhecimento da referida redução salarial por meios internos, designadamente por circulares e pela afixação em placares no MEID. E externamente via comunicação social, visto que é um facto público e notório. Quanto à respectiva contratação de 20 novos trabalhadores o Tribunal dá como provado, por prova documental e testemunhal, que as referidas contratações assume a natureza da figura referente ao trabalho temporário e que auferiam €237,50, sem subsídio de alimentação tendo um carácter simbólico. No que diz respeito aos aumentos salariais estabeleceu-se a convicção no espírito do Tribunal que o respectivo facto foi efectuado à categoria de chefes de investigação económica altamente qualificados e não à categoria de chefes de gabinete, que era a desempenhada pelo autor. Visto que as funções desempenhadas pelo autor implicaram não só um corte salarial ao mesmo, mas a todos o que desempenham as mesmas funções, por categoria semelhante.
A ilegalidade e a inconstitucionalidade no acto de redução não ficou provado em audiência de julgamento.
Apesar de ter ficado provado o efectivo prejuízo no orçamento familiar e pessoal do autor, pelo facto da sua esposa ter sido despedida, acrescendo ao indeferimento das bolsas de estudo dos filhos do referido casal, não se demonstrou a existência de nexo de causalidade entre a redução salarial e os referidos prejuízos, incluindo o incumprimento pontual das obrigações respeitantes ao crédito à habitação.
      Além do mais, a rejeição da proposta respeitante à reforma antecipada efectuada pelo autor à entidade patronal, MEID, não implica uma diminuição significativa e prejudicial no cálculo da reforma. Ora vejamos, a reforma calcula-se pelos vinte e dois anos de descontos efectuados à Segurança Social, não sendo que um ano contenha um peso indicativo para uma redução substancial.
Ficou provado que a construção do novo Aeroporto se situa em Alcochete e o autor reside, efectivamente em Lisboa, nomeadamente Rua Tourinho nº 10, 1700-322, evidenciando-se, assim, que a diminuição de qualidade de vida nunca se verificaria por viver a 16km do mesmo, e não a 4km do suposto novo aeroporto.
Não ficou provado que exista incoerência entre a construção do aeroporto e a redução salarial do autor, supra referido. Pois, como foi alegado em Tribunal, o facto hipotético de não construção do aeroporto não implicariaa redução salarial taxada a 10%. Isto é, a redução salarial manter-se-ia independentemente de externalidades positivas ou negativas verificadas ou a verificar.
Acrescendo, ainda, que a mesma redução é a título temporário e não definitivo, como foi alegado.
Mais se refere, que a redução salarial era necessária e proporcional, ficando provado que a contratação dos 20 novos trabalhadores recém-licenciados, recebendo, apenas, uma remuneração simbólica de €237,50, não acrescendo qualquer tipo de subsídio não preponderante na decisão da redução salarial aplicada tanto ao autor, como aos restantes trabalhadores.
            Mesmo assim, foi demonstrado que a construção do novo aeroporto afectaria o meio ambiente num raio de 10km, sendo que o autor reside a 16km, como já foi enunciado supra.

DO DIREITO:
           
            Como se verifica pela matéria fáctica provada, o autor não pode ver a redução salarial anulada nos termos do Art.46º/2 a) e 50º/1CPTA, uma vez que a implementação da diminuição em 10% dos salários, tendo em conta que o principio da urgência e de necessidade de atenuar o défice público, isto é, tendo em conta razões de interesse público, prevalecem sobre o princípio da proibição do não retrocesso social. Ainda para mais, há que ter em conta que a realidade económica e social e a susceptibilidade de as normas programáticas densificadas de direitos sociais, económicos e dos trabalhadores não implicam o seu carácter absoluto do princípio do retrocesso social mas a sua relativização ao mínimo e indispensável para manter a não afectação da sua esfera primária, básica e fundamental.
            Mesmo assim, a CRP não expressa de forma directa nem na sua ratio a proibição da redução salarial a nível transitório, bem como que a expressão “salário igual, trabalho igual” não colhe em sede de direito por estarmos perante remunerações diferentes de categorias distintas com desempenho de funções opostas e assimilares.
            Ainda assim, é verdade que o direito a uma remuneração efectiva explicitada no disposto no Art.59º/1 a) CRP não implica uma restrição ao referido direito, pois os requisitos elencados no Art.18º/3 CRP demonstram que a medida não é desproporcional uma vez que é adequada/idónea, necessária e implica uma justa medida entre os meios utilizados a referida restrição ao direito.
            Citando, JORGE MIRANDA, “ (…) a idoneidade traduz-se na existência de um meio adequado à sua prossecução (...), a necessidade do meio, significa que é ele, entre os que poderiam ser escolhidos in abstracto, aquele que melhor satisfaz in concreto – com menos custos (…), a racionalidade ou proporcionalidade stricto sensu equivale a justa medida. Implica que o órgão proceda a uma correcta avaliação da providência em termos quantitativos (e não só qualitativos), de tal jeito que ela não fique além ou aquém do que importa para se alcançar o resultado devido - nem mais, nem menos”. Prossegue, o referido constitucionalista que, “ estando frente a frente dois bens jurídicos, um deles tem de ser sacrificado, ou um e outro têm de ceder algo para poderem subsistir – eis uma relação de custos e benefícios. (…) Ora, ele ( o referido principio em causa) (…) deve ser (…) associado à dependência da realidade constitucional e à reserva do possível.” (Miranda, Jorge; Manual de Direito Constitucional – Tomo IV, 4ºEdição, Revista e Actualizada; Coimbra Editora, 2008)
            Portanto, conclui o referido autor que, “estão sujeitos à reserva do possível, as respectivas normas concretizadoras, (…):
                                   1.º) Quando se verifiquem condições económicas favoráveis (…)
                                   2.º) (…) as prestações têm de ser adequadas ao nível de sustentabilidade existente, com eventual redução dos seus beneficiários ou dos seus montantes;
                                   3.º) Situações de extrema escassez de recursos ou de excepção constitucional podem provocar a suspensão destas ou daquelas normas, mas elas hão-de retomar a sua efectividade, a curto ou a médio prazo, logo que restabelecida a normalidade da vida colectiva (…). (Idem, obra referida em supra)
            Consequentemente, os motivos justificativos expostos supra, permitem ao Autor uma existência condigna, sendo apenas uma diminuição transitória e que permite atenuar o défice público.
            Assim, conclui-se que o MEID não deve ser condenado ao pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais no valor de €100 (pelo não pagamento atempado da prestação mensal do crédito à habitação), nem ao pagamento dos juros de mora à taxa legal pelo atraso no pagamento do montante total do salário até ao integral pagamento, e por danos não patrimoniais, no valor de €5.000, pela frustração das expectativas e pela angústia perante a difícil situação económica em que se encontra, de acordo com o Art.37º/2 f) CPTA, pois cabe ao autor a tomada de medidas e diligências de reajustamento do seu crédito bancário e assumir os riscos próprios de um contexto de crise económica que pode, e vai levar, a um reajustamento das retribuições salariais.
            Deste modo, o tribunal carece de poderes que determinem a anulação do acto que permite a construção do aeroporto, Art.46º/2 a) e Art.50º/1 CPTA, pois a questão em causa não implica com a apreciação do mérito em causa mas com decisões e opções governamentais e políticas. 
            Também, não colhe, que subsidiariamente, se possa apreciar pela conclusão da condenação do MOPTC, no pagamento de uma indemnização no valor de €8.000 pelos danos patrimoniais e não patrimoniais derivados da diminuição da qualidade de vida causada pela construção do aeroporto, nos termos do disposto no Art.37º/2 g) CPTA, uma vez que ainda que tivesse ficado provado que a construção sita a 4km de distância da propriedade do autor, não haveria qualquer probabilidade de o barulho proveniente das obras afectar, directa ou indirectamente, a qualidade de vida do autor, não prejudicando, assim, o seu direito ao descanso e sono, principalmente porque as obras não serão efectuadas no período nocturno.

DECISÃO:
Acordam os Juízes do Tribunal Administrativo e Fiscal do Circulo de Lisboa, em conformidade, em negar provimento aos pedidos do Autor.
Conclui-se, então, pelo indeferimento do pedido de anulação de decisão de redução salarial pedido pelo autor nos termos do Art.46º/2 a) e 50º/1 CPTA.
Também, pelo indeferimento do pedido de condenação do MEID ao pagamento da referida indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais.
Bem como, se indefere o pedido de anulação do acto que determina a construção do aeroporto e, subsidiariamente, o pagamento de uma indemnização do MOPTC por alegados danos patrimoniais e não patrimoniais pelos fundamentos alegados pelo autor.
            Consequentemente, e pelo exposto demonstrado, enunciado e refutado, absolve-se os Réus do pedido formulado pelo autor.
            Dá-se procedência, então, ao pedido de não suspensão do Contrato celebrado pelo Governo contra-interessado em causa.

Custas pelo Autor

Lisboa, 25 de Maio de 2011

O  TRIBUNAL COLECTIVO








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 Desculpem a falta de formatação vai ser reencaminhado para o email de subturma o respectivo Acórdão.

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