O aproveitamento do acto em contencioso administrativo
Dispõe o art. 95º, nº2 do CPTA que “nos processos impugnatórios, o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as causas de invalidade que tenham sido invocadas pelas partes contra o acto impugnado, excepto quando não possa dispor dos elementos indispensáveis para o efeito, assim como deve identificar a existência de outras causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas, ouvidas as partes para alegações complementares pelo prazo comum de 10 dias, quando o exija o respeito pelo princípio do contraditório”.
Uma primeira leitura da Disposição legal leva ao entendimento de que consagra a regra que torna de conhecimento oficioso todos os vícios do acto administrativo.
É este o entendimento de Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, . pág. 483, onde referem que todos os vícios do acto “mesmo aqueles que apenas são fonte geradora de anulabilidade passam a ser de conhecimento oficioso”
Por sua vez Vieira de Andrade, in “ A Justiça Administrativa”, 8ª Edição, pág. 221 e nota 430, também admite que o juiz deve “averiguar oficiosamente a existência de ilegalidades do acto impugnado”, propondo todavia uma interpretação “em termos restritivos” limitando esse dever aos casos de ofensa de “direitos fundamentais e direitos fundamentais e lesão de interesses referidos no art. 9º, 2 do CPTA.
Já Elisabete Fernandes, Cadernos de Justiça Administrativa, 76, pág. 44 e seguintes sustenta que apesar de haver um dever de identificar as causas de invalidade, o juiz só pode conhecer das mesmas se for do interesse do autor : “… o tribunal só está autorizado a exercer a sua função de fiscalização se o autor a quiser adicionar ao acto postulativo com que deu início à demanda – acolhendo os benefícios da causa de invalidade acabada de identificar (…)”.
Ora, da letra do artigo em análise verifica-se que o legislador não impõe qualquer restrição ao tipo de invalidades em causa não havendo razão para restringir o preceito à violação dos interesses a que se refere o art. 9º, 2 do CPTA. Sendo certo que também não faz qualquer distinção entre o dever de identificar o vício e o dever de o conhecer, não cabendo ao intérprete distinguir o que a lei não distingue
Porém, o próprio art. 95º, 2, do CPTA, na primeira parte, parece exclui o dever de pronúncia quando o tribunal “não possa dispor dos elementos indispensáveis para o efeito”. Qualquer que seja o sentido desta exclusão, o certo é que afasta o dever de pronúncia mesmo relativamente a questões suscitadas pelas partes, desde que não existam nos autos elementos indispensáveis.
Por outro lado, numa análise sistemática verifica-se que o art. 91º, n.º 5 do CPTA refere que o “nas alegações pode o autor invocar novos fundamentos do pedido, de conhecimento superveniente ou restringi-los expressamente e deve formular conclusões”, o que significa que, essas causas de invalidade abandonadas não podem ser conhecidas pelo Tribunal ao abrigo do art. 95º, n.º 2 do CPTA.
Finalmente, o nº 5 do art.92º, resulta que só na fase de elaboração da sentença e depois de ter todos os elementos de facto o juiz coloca a hipótese de existirem outras causas de invalidade não alegadas. O que pressupõe que os factos adquiridos processualmente nesse momento, devem ser suficientes para apreciar o vício não alegado.
Deste modo, afigura-se-me poder concluir que o dever de identificar causas de invalidade não alegadas limita-se às nulidades e às anulabilidades que o autor não tenha expressamente abandonado, e relativamente às quais (nulidades e anulabilidades) tenham sido oportunamente alegados pelas partes, ou resultem da discussão da causa, factos suficientes para o seu conhecimento. Estão neste campo, por exemplo, os vícios estritamente jurídicos como sejam os decorrentes de aplicação de normas inconstitucionais ou ilegais.
Por outro lado, as anulabilidades, cujos factos principais de onde decorrem, não constem do processo, não devem ser identificadas pelo juiz na fase da sentença, o que significa, por exemplo, que o Tribunal nunca poderá reabrir a fase de instrução para conhecer as invalidades não suscitadas tempestivamente pelas partes.
Terminamos citando o Acórdão do STA de 7-2-2002, proferido no recurso 046611 “O princípio do aproveitamento do acto administrativo é, no domínio de apreciação de invalidade dos actos administrativos, o corolário do princípio da economia dos actos públicos, refracção do princípio geral de direito que se exprime pela fórmula utile per inutile non vitiatur, servindo o interesse de que não devem ser tomadas decisões sem alcance real para o impugnante, porque a economia de meios é, também em si, um valor jurídico, correspondendo a uma das dimensões indispensáveis do interesse público (Cfr, acerca da razão de ser do aproveitamento dos actos administrativos pelo juiz, Prof. Vieira de Andrade, O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, pag. 332 e sgs). O seu âmbito de aplicação não se determina mecanicamente pela antítese vinculação discricionariedade, em termos de sempre ser de excluir no domínio dos actos praticados no exercício de um poder discricionário. Limitando-nos ao erro (nos pressupostos ou na base legal) porque é desse tipo o vício em causa, há erros respeitantes a actos praticados no uso de um poder discricionário cuja anulação o juiz administrativo pode abster-se de decretar por invocação do referido princípio, atendendo à razão que o justifica. Mesmo neste domínio, o tribunal pode negar relevância anulatória ao erro, sem risco de substituir-se à Administração (Cfr. Prof. Afonso Queiró, RLJ-117º, pags. 148 e sgs.), quando, pelo conteúdo do acto e pela incidência da sindicação que foi chamado a fazer, possa afirmar, com inteira segurança, que a representação errónea dos factos ou do direito aplicável não interferiu com o conteúdo da decisão administrativa porque não afectou as ponderações ou as opções compreendidas (efectuadas ou potenciais) nesse espaço discricionário”.
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