A consagração dos poderes de substituição do juiz, no termos do art. 71º/2 do CPTA, com o novo meio processual, acção para a prática do acto legalmente devido, não tem sido ponto unânime na doutrina, havendo por isso quem discorde e ponha em causa esta evolução legislativa, pelo facto de estarmos a tratar aqui do exercício de poderes de amplo conteúdo discricionário. É este o problema e o busílis da questão, que tem levado a um debate construtivo pela doutrina, em busca da definição de limites aos poderes de pronúncia no âmbito deste tipo de acção.
No âmbito deste tipo de acção, verifica-se um dever legal do juiz em enunciar os tipos de vinculação a observar pela Administração, na emanação do acto discricionário. Estas vinculações, ou directivas de juridicidade, devem ser genéricas, sem determinação do conteúdo do acto administrativo (caso em que verificar-se-ia uma redução da margem de livre apreciação a zero), sendo que a dificuldade é até onde, isto é, quais os limites destas directivas, se é que é possível estabelecê-los.
A questão da substituição clara do acto administrativo (do acto vinculado), por sentença equivalente com os mesmos efeitos constitutivos em relação ao particular (179º/5 CPTA) é já ponto assente, e aceite.
Eis porém a questão, quando um acto que parece totalmente vinculado, na realidade o não é, caso em que se tem de atender ao disposto nos termos do art. 71º/2 CPTA, isto é, em que o juiz deva na sentença explicitar as “vinculações a observar pela Administração” ou como era referido no projecto de CPTA “ as directivas de juridicidade do iter valorativo e cognoscitivo que conduz a decisão administrativa”, sem contudo definir o acto.
Há que referenciar desde já que nos parece aqui, haver a possibilidade criticável, de violação do princípio de separação de poderes, designadamente usurpação de poderes, pelo facto de se estar a dar a possibilidade, nos termos do art. 71º/2, a uma ilimitada confiança à função jurisdicional e nas suas capacidades para a decisão a um caso concreto (ainda que se queira dizer que as directivas são genéricas) em detrimento do principio da discricionariedade administrativa, levando mesmo no extremo à sua eliminação, se por detrás desta disposição normativa se encontre a rule of law e as suas virtudes quanto à predominância dos tribunais nos sistemas de common law, o que seria obviamente inconstitucional no nosso ordenamento.
Correlativamente a este aspecto há também um outro, que é o de uma “isenção” de responsabilidade que se poderá verificar por parte do tribunal, pois em última instância será a autoridade administrativa, que tendo em conta as directrizes do tribunal, na prática do acto, poderá vir a ser responsabilizada pelo exercício da função administrativa e mesmo em termos políticos.
Consideramos que apesar de se poder dizer que ab initio não haverá a determinação do conteúdo do acto pelo tribunal, in casu acabar-se-á por verificar o contrário.
Outro aspecto, de não menos importância é também a desconsideração devido a um carácter estrutural óbvio, por parte dos tribunais do iter decisório discricionário da Administração, isto é, que implica a complementação do tipo legal e o «fechar» da abertura normativa (só) no caso e para o caso concreto, nas palavras da Sra. Dra. Maria Francisca Portocarrero, com base nos princípios jurídicos gerais da actividade administrativa, como sendo a imparcialidade, igualdade, justiça e proporcionalidade. Ora tal iter só é passível de ser realizado pela Administração e não pelo juiz.
Para terminar consideramos que o juiz no âmbito da acção aqui em causa, ao formular directivas de juridicidade que presidirão ao iter valorativo e cognoscitivo que conduz à decisão administrativa discricionária, seja no que ao preenchimento dum conceito indeterminado diz respeito, seja quanto ao exercício da discricionariedade na estatuição, estará ao fim e ao cabo a decidir ele, discricionariamente o conteúdo do acto, apesar de do art.71º/2 resultar literalmente o contrário.
Ivan Roque Duarte
nº17324
4º / subturma 3
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