sexta-feira, 6 de maio de 2011

INTERESSE EM AGIR

O interesse processual ou interesse em agir consiste no interesse da parte activa em obter tutela judicial de uma situação subjectiva através de um determinado meio processual e corresponde ao interesse da parte passiva em impedir a concessão daquela tutela. Consiste, então, na indispensabilidade de o autor recorrer a juízo para a satisfação de uma pretensão, só haverá interesse em agir quando não existir qualquer outro meio (extrajucial) para realizar a sua pretensão.

O interesse processual difere da legitimidade na medida em que respeita ao interesse no próprio processo, na inevitabilidade do pedido jurisdicional, a legitimidade, por sua vez, constitui o interesse directo em demandar e em contradizer, relaciona-se com o conteúdo material da pretensão. Porém, interesse processual e legitimidade não são conceitos totalmente autónomos, pois apenas a parte com legitimidade porderá ter interesse na acção. Os restantes pressupostos processuais relativos às partes referem-se às qualidades e atributos dos litigantes, já o interesse processual refere-se à situação objectiva de carência em que a parte se encontra.

De acordo com o Prof. Manuel de Andrade a importância do interesse em agir pode exprimir-se por duas ordens de razões:
- a instauração de uma acção inútil causa ao réu prejuízos e incómodos  injustificados;
- e porque a justiça é um serviço estadual e pago com o erário público e só deverá funcionar quando houver motivos para tal.

Tendo em conta a supra referida relação entre a legitimidade e o interesse em agir é necessário fazer uma breve referência à legitimidade. A legitimidade activa encontra-se prevista no art. 9.º CPTA, expressando que, regra geral, sem prejuízo no disposto nos arts. 9.º, n.º 2, e 40.º do mesmo diploma, o autor é considerado parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida. É então necessário complementar a legitimidade activa com o interesse em agir, só assim será possível o adequado recurso aos Tribunais, tem de existir uma necessidade de tutela jurisdicional justificada[1].

O interesse processual é relevante no contencioso administrativo, destacando-se no domínio da impugnação de actos administrativos. Porém, não é apenas aqui que se demostra relevante este pressuposto processual, tendo uma abrangência mais ampla, porque a existência de outros meios processuais adequados à obtenção de um certo resultado que põe fim a um determinado conflito leva à não existência de interesse processual na acção.

O interesse processual não se encontra consagrado como um pressuposto processual no CPTA, mas existe referência ao mesmo no art. 39.º do mesmo diploma, no qual se pode ler: “Os pedidos de simples apreciação podem ser deduzidos por quem invoque utilidade ou vantagem imediata, para si, na declaração judicial pretendida, designadamente por existir uma situação de incerteza, de ilegítima afirmação por parte da Administração, da existência de determinada situação jurídica, ou o fundado receio de que a Administração possa vir a adoptar uma conduta lesiva, fundada numa avaliação incorrecta da situação jurídica existente”.

Como foi supra referido, a regra geral da legitimidade na acção administrativa encontra-se prevista no art. 9.º do CPTA, não podemos, porém, deixar de atender ao art. 55.º, n.º 1, al. a), do CPTA, que diz respeito à legitimidade na acção administrativa especial. De acordo como referido artigo “Tem legitimidade para impugnar um acto administrativo: quem alegue ser titular de um interesse directo e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo acto nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos”. Encontra-se aqui ligada com a questão da legitimidade a questão do interesse em agir na acção administrativa especial.

A referência ao requisito do interesse em agir, de acordo com Prof. Mário Aroso de Almeida[2], encontra-se na exigência de um carácter directo ao interesse individual para impugnar actos administrativos. Ao exigir-se que o interesse seja directo, no sentido tradicional de ser actual, está-se a apelar que o impugnante deve estar constituído numa situação de efectiva necessidade de tutela judiciária, estando então aqui expresso o interesse em agir. O mesmo autor refere ainda que tal ainda se encontra expresso no art. 55.º, n.º 1, al. a), no que respeita à possibilidade de o impugnante “ter sido lesado pelo acto nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos”. Possui, então, legitimidade quem alegue ser titular do direito ou interesse e o seu interesse processual radica na alegação de ter sido lesado esse seu direito ou interesse, situação que gera o interesse directo – interesse processual – em demandar. Há que referir que existe aqui um novo paradigma, ou seja: a legitimidade activa já não depende da titularidade da relação jurídica administrativa, pois a lei apenas exige a titularidade de um interesse directo e pessoal designadamente por terem sido lesados os seus direitos ou interesses através do acto, é então apenas necessário que exista a tirularidade de um interesse directo e pessoal que é lesado, estamos aqui a falar de uma lesão que poderá ser apenas reflexa.

Esta é uma questão que suscita querela doutrinária, a doutrina maioritária, onde se inclui o Prof. Mário Aroso de Almeida faz coincidir o interesse em agir com o interesse directo exigido como condição de legitimidade, já o Prof. Vieira de Andrade defende que o interesse em agir deverá ser autonomizado, considerando que a legitimidade é autónoma e diferente do interesse em agir “sempre que a admissibilidade da inciativa processual do autor tenha de, por força de lei, ser concretamente aferida por um interesse que complemente a titularidade de uma posição jurídica substantica ou o critério legal substitutivo de atribuição de legitimidade[3], incluíndo na acção administrativa especial. O Prof. Vasco Pereira da Silva não vê qualquer vantagem em configurar como um pressuposto autónomo, defendendo que é mais adequado reconduzir a questão do interesse em agir em molde similar ao do processo civil[4].


[1] VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa, 11.ª edição, Almedina, 2011, pág. 268.
[2] AROSO DE ALMEIDA, Mário O Novo Regime dos Processos nos Tribunais Administrativos, 3.ª edição, Almedina, Maio, 2004, pág. 62.
[3] VIERA DE ANDRADE, opus cit., pág. 269.
[4] PEREIRA DA SILVA, Vasco, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2.ª edição, Almedina, 2009, pág. 374.

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