domingo, 24 de abril de 2011

Meios Processuais no âmbito de Contencioso Administrativo - Acção Comum e Acção Especial

























As crescentes mutações que o Contencioso Administrativo nacional vem sofrendo com o passar tempos, nomeadamente quanto à progressiva efectivação, na esfera dos particulares, de direitos e garantias contra as sucessivas actuações omissas e/ou lesivas da administração face a esses mesmos particulares, no campo dos processos contenciosos da Administração não menos, tais alterações, têm sido visíveis. Facto é que na tentativa de superação dos “velhos traumas” de uma “infância difícil”, se tenha garantido ao particular, aquando de um qualquer processo administrativo, “a tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas” (art. 268 nº4 crp), ou seja, passou a garantir-se ao particular uma panóplia de direitos e garantias que poderão, em último caso, ser figuradas nas próprias sentenças que poderão gerar uma simples apreciação de certo acto; a prática de actos devidos; a impugnação de actos administrativos ou medidas cautelares. Desta feita, é pois em grande medida, por meio da Acção Administrativa Comum e Especial, dois dos principais meios processuais de contencioso administrativo que me proponho desenvolver, que todos estes desfechos se fazem sentir na esfera do particular.

Relativamente à Acção Administrativa Comum (AAC) devemos ter em conta os art. 37 e sgts. do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) que esclarecem aos principais interessados as pretensões que esses, individual ou colectivamente, poderão fazer valer-se neste meio processual. Assim, encontram-se reguladas na AAC acções cujas matérias relacionem-se com questões de responsabilidade civil extracontratual de entidades Públicas e com matérias que envolvam questões contratuais art. 37 nº2 f) e h) CPTA. Por outro lado, qualquer processo que envolva a condenação da administração ao cumprimento de deveres de prestação de certas normas e que, assim sendo, não envolvam actos administrativos impugnáveis, nem devam ser alvo de um de dois processos urgentes de intimação que o CPTA prevê nos art 104 e sgts, encontram-se, mais uma vez, aqui, na AAC, regulados. Por fim, acolhe, ainda, a acção administrativa comum acções não nominadas (antigo art. 73 da LPTA), que podem ser intentadas por entidades públicas contra outras entidades públicas ou contra particulares. Pode, pois, assim, constatar-se que este meio processual, embora, possa terminar em sentenças condenatórias, de simples apreciação ou constitutivas, a verdade é que aqueles outros litígios jurídico-administrativos que pelas suas especificidades sejam excluídos dos restantes meios processuais cabem, também esses, aqui na AAC.
Por contrapartida, na Acção Administrativa Especial (AAE) podemos examinar o carácter mais subjectivista que o Contencioso Administrativo tem vindo a sentir com o passar dos anos. De facto, muito embora este meio processual seja designado pelo CPTA como um meio processual especial, e o anterior meio processual de comum, a verdade é exactamente a oposta, na medida em que a acção especial é, muitas vezes, a comum, enquanto aquela designada pela lei de acção administrativa comum, grandemente a especial. É aqui, portanto que de facto podemos notar a dificuldade que a administração, ainda hoje sente em ultrapassar, por escrito, os “traumas de uma infância difícil”, de um particular objectivismo para, agora, perante uma administração mais prestadora, garantistica, subjectivista. A realidade entre a AAC e a AAE não é muito diferente, já que em ambos os meios processuais ultrapassou-se a questão das sentenças de mera anulação, podendo, então, tanto numa AAC, como numa AAE gerar-se sentenças de simples apreciação, anulação ou de condenação, consoante a natureza dos respectivos pedidos. Resta, talvez, pensar-se nesta diferenciação entre AAC e AAE relativamente à dicotomia acto e regulamento administrativo e demais litígios (art. 37 vs 46 CPTA), cabendo no 1º caso a AAE e ao 2º a AAC, o que mesmo nestes casos a delimitação da AAC da AAE, não fará muito sentido, na óptica do Prof. Vasco Pereira da Silva, entre outras justificações, aquela que se reporta à cumulação de pedidos dos art. 4 e 5 CPTA, ou seja, pode acontecer que certa cumulação de pedidos corresponda a diferentes formas de processo, devendo nesses casos e segundo a lei adoptar-se a AAE, quer dizer a cumulação do pedido de responsabilidade civil com o de anulação de acto administrativo ou o da validade ou da execução de um contrato com um acto de procedimento ou com um acto destacável que geram diferentes formas de processo, devem, pois, seguir a forma de AAE. Assim, resulta desta “troca de nomes”, senão mesmo “troca de identidades” que a AAE vai passar a ser comum, ao mesmo tempo, que na prática, a AAC vai passar a ser a AAE. Desta forma, é a acção especial que maior relevo acaba por ter no âmbito de Contencioso administrativo, ainda que achada pela lei como AAE e que, em particular, o Prof. Vasco Pereira da Silva a acha como uma acção “guarda-chuva”, exactamente, porque consoante a natureza do pedido em causa, mesmo que dentro da esfera da AAC, poderá haver a susceptibilidade de recair-se sobre uma qualquer modalidade das sentenças da AAE. Isto porque em termos abstractos, também os pedidos de uma AAC poderão ser dirigidos a um qualquer particular (entregar uma coisa, executar um contrato, pagar uma quantia, adoptar uma conduta material ou omiti-la). Assim, na AAE cabem, pois as mais distintas “sub-acções” em razão do pedido e que resultarão numa qualquer modalidade de sentença; veja-se para tanto o art. 46 nº2 CPTA:

a) Anulação de um acto administrativo ou a declaração da sua inexistência;
b) Condenação à prática de um acto administrativo legalmente devido;
c) Declaração de ilegalidade de normas regulamentares ilegais;
d) Declaração de ilegalidade pela não emissão de regulamentos;

Desta forma, o CPTA regulou com enorme detalhe a AAE, enquanto que a AAC foi direccionada para o Código de Processo Civil.
Uma das primeiras ideias da AAE é que não só poderá existir cumulação de pedidos art 47 nº1 com remissão para o art 4 CPTA, como poderão ser dirigidos ao tribunal 2 géneros de pedidos:

(I)  Impugnações a fim de se obter em tribunal a anulação ou a declaração de nulidade ou inexistência jurídica de um acto administrativo, ou a declaração de ilegalidade de uma norma regulamentar ou da sua omissão;
(II)    Pedidos Condenatórios que obriguem um órgão da administração pública a praticar um acto administrativo legalmente devido;

(I) A impugnação contenciosa tem por objecto os actos administrativos que, na perspectiva do Prof. Vasco Pereira da Silva tenham eficácia externa, isto é, aqueles actos que tenham repercussões nas relações jurídicas estabelecidas entre a Administração Pública e a esfera dos particulares e/ou esses mesmos actos sejam susceptíveis de lesar direitos e interesses dos particulares que estejam legalmente protegidos art 268, nº 4 CRP e art 51, nºs 1 e 2; art 52, nº 1, art 53 e 54 nº1 do CPTA, excluindo-se a ideia que logrou até à revisão de 1989 de que somente o acto administrativo definitivo e executório poderia ser objecto de impugnação. Assim, a impugnabilidade do acto é independente de eficácia, sendo suficiente o início da execução do acto, certo ou muito provável, que a sua eficácia se virá a produzir art 54 CPTA. Não constitui, igualmente, obstáculo à impugnação do acto a circunstância de o mesmo não consubstanciar a decisão final de um procedimento administrativo, ou seja, tratar-se de um acto preparatório ou interlocutório. A impugnabilidade do acto pode, ainda, existir mesmo que praticado no exercício de uma actividade administrativa pública e de o seu autor não ser um órgão de uma pessoa colectiva pública. A protecção geral administrativa, não depende da natureza pública das entidades sujeitas à justiça administrativa, mas da natureza pública da actividade desenvolvida - Art 51º, nº 2 CPTA.


(II) No pedido de condenação à prática do acto administrativo devido, o interessado pede ao tribunal que condene a entidade administrativa, cujo órgão tem competência para praticar um certo acto, e que tem o dever legal de o fazer, mas que se recusou a fazê-lo ou omitiu a sua prática – art 66 CPTA. O juiz apenas julga o cumprimento da administração pública das normas a que deve obediência, cabendo ao órgão competente dirigir uma resposta favorável ao não ao particular.
O pedido de condenação à prática do acto administrativo só pode ser formulado de acordo com o n 1 do art 67 CPTA – ao prever tais circunstâncias a lei considerou que o órgão administrativo competente tem sempre o dever de tomar uma decisão, o que não significa que tenha o dever de decidir sempre favoravelmente o pedido do interessado. Na verdade, o dever que o órgão competente está adstrito para decidir é o de tomar uma decisão que respeite as vinculações absolutas, sejam elas de forma, formalidades, fim, etc. e que obedeça aos princípios constitucionais presentes na Administração, como sendo a igualdade, imparcialidade, proporcionalidade, boa-fé. É que é nestes termos que o tribunal pode condenar a Administração Pública e perante os quais esta tem o dever legal de respeito. É este, por fim o entendimento do art 71 nº2 CPTA.


 

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