A acção de impugnação do acto administrativo é uma subespécie da acção administrativa especial que nasceu com o desaparecimento do recurso de anulação.
Acto e processo encontram-se indissociavelmente ligados pelo que, para explicar a evolução da acção de impugnação teremos que começar pela evolução e modificações do acto administrativo em si. E todas estas transformações verificaram-se tanto nos planos do Direito Administrativo como no do Contencioso Administrativo, já que o conceito de acto administrativo necessita de ser repensado e reconstruído em razão da sua tripla dimensão: substantiva, procedimental e processual.
Assim, a interligação existente entre os modelos de Estado e o acto administrativo pode ser dividida em três momentos distintos:
1- O do Estado Liberal que, sendo caracterizado por um modelo de Administração Agressiva e tendo como forma de actuação o acto de autoridade associado a um entendimento limitado da Justiça Administrativa, assente no recurso de anulação concebido como “processo a um acto”, estava apenas em causa uma decisão executória que seria a manifestação dos poderes de autoridade da Administração sendo o acto assimilado, nomeadamente na doutrina alemã pelo Dr. Mayer, à sentença, caracterizando-o como a “manifestação da Administração autoritária que determina o direito aplicável ao súbdito no caso concreto”.
2- O do Estado Social, caracterizado pela Administração Prestadora que passou a ser entendida como uma Administração que atribui actos administrativos favoráveis virados para o favorecimento de benefícios materiais ou constitutivos de direitos dos particulares. Consequentemente, o acto administrativo deixou de ser a forma caracterizadora da actuação administrativa para ser apenas uma das maneiras possíveis, havendo uma generalização de outras formas de actuação, nomeadamente os planos e regulamentos; deixando também de ser caracterizado pela sua autoridade.
3- O do Estado pós-Social caracterizado pela dita Administração Infra-Estrutural e pelos consequentes actos administrativos com eficácia múltipla que se integram em relações jurídicas multilaterais. Uma outra importante consequência da nova lógica de Administração é a perda da sua dimensão subjectiva ou estatutária, agora assente na colaboração entre entidades públicas e privadas para o exercício da sua função.
Verifica-se, assim, um alargamento tanto da noção tradicional de acto administrativo, já que de acordo com o, Art 4º, nº1, c), ETAF, cabem no âmbito da jurisdição administrativa as actuações unilaterais de órgãos de outros poderes estaduais; como também são de considerar como tal as actuações de particulares colaborando com a Administração no exercício da função administrativa.
Há então, nesta fase, uma lógica de alargamento da noção acto administrativo que, de acordo com o Art. 120º, CPA, será todo aquele susceptível de produzir efeitos jurídicos; que vem acompanhada pela consagração no Art 268º, nº4, CRP, de um direito fundamental de impugnação de qualquer acto administrativo lesivo, sendo a lesão considerada como a produção de efeitos em relação ao particular.
Com efeito o CPTA consagrou, no seu Art. 51º, nº1, uma noção ampla de impugnabilidade assente em dois critérios autónomos – o critério da lesão e o critério da eficácia externa
Estas modificações das concepções restritivas de acto administrativo tiveram importantes consequências no contencioso, abrindo-se o Processo Administrativo à multiplicidade das novas espécies de actuação administrativa, daqui resultando que “os actos administrativos impugnáveis se tornaram hoje em dia uma realidade de contornos muito amplos, que compreende não apenas as decisões administrativas finais e perfeitas, criadoras de efeitos jurídicos novos, como também aqueloutras actuações administrativas imediatamente lesivas de direitos dos particulares, que tanto podem ser actos intermédios, como decisões preliminares, ou simples actos de execução.” (1)
Assim, os actos administrativos são todos os que produzam efeitos jurídicos mas, de entre estes, aqueles cujos efeitos forem susceptíveis de afectar ou de causar uma lesão a outrem, são contenciosamente impugnáveis.
A impugnabilidade não é, portanto, uma questão de natureza nem uma característica substantiva dos actos administrativos. Impugnáveis são todos os actos administrativos que, em razão da sua situação, sejam susceptíveis de provocar uma lesão ou de afectar imediatamente posições subjectivas dos particulares, tendo, inclusive, natureza de direito fundamental (Art 268º, nº4, CRP).
Concluindo, a evolução histórica do acto administrativo culminou com o alargamento da impugnabilidade dos actos administrativos, que passa a ser determinada em razão da eficácia externa e da lesão dos direitos dos particulares (Art 51º, nº1, CPA) bem como o abandono do clássico recurso de anulação e a sua substituição por uma acção administrativa especial, em que o juiz administrativo goza de poderes de plena jurisdição, desta forma se dando cumprimento ao Art. 268º, nº4, CRP que estabelece um direito fundamental de impugnação dos actos administrativos lesivos dos particulares, no âmbito de um Contencioso Administrativo plenamente jurisdicionalizado e de natureza predominantemente subjectiva, porque destinado a garantir a tutela integral e efectiva dos particulares.
(1) VASCO PEREIRA DA SILVA, "O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise", Almedina, 2ª Edição, pág. 336
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