Com a consagração da plena jurisdição do Contencioso Administrativo, cumpriu ao legislador estabelecer regras gerais já aplicáveis a outros meios processuais. Dentro destas, encontramos as regras relativas aos elementos processuais, sendo que sem estes, não chega a haver um processo individualmente considerado.
Assim, os sujeitos e o objecto (pedido e causa de pedir) têm sofrido ao longo dos tempos uma evolução que cumpre analisar. Vejamos, no entanto, exclusivamente os sujeitos processuais.
Se actualmente o CPTA consagra expressamente que tanto o particular, como a Administração são partes no processo e que a sua participação processual depende do princípio da igualdade efectiva, nos termos do artigo 6º, tal não acontecia até 1976.
De acordo com a lógica clássica do modelo francês, o Contencioso Administrativo sendo de tipo objectivo destinava-se à mera verificação da legalidade de uma actuação administrativa. Nesta concepção nem o particular nem a Administração eram considerados como partes do processo. A sua ida a juízo serviria apenas para colaborar com o tribunal na defesa da legalidade e do interesse público. A par disto, não se admitia que actuassem de forma a defender direitos ou interesses próprios, uma vez que ao particular não lhe eram reconhecidos direitos subjectivos perante a Administração.
Foi preciso esperar pela Constituição de 1976 com a consagração do Contencioso Administrativo no poder judicial e com a reforma de 84/85 com a transformação do Contencioso Administrativo num verdadeiro processo de partes, para se poder falar num processo plenamente jurisdicionalizado e de natureza subjectiva.
Esta igualdade processual de partes vem ser completada pelos princípios da cooperação e da boa fé processual, nos termos do artigo 8º do CPTA. Ao lado destes princípios será de entender que o processo administrativo é actualmente um processo de partes pelas regras comuns sobre legitimidade a que este se encontra sujeito, segundo os artigos 9º e seguintes do CPTA. O Prof. Vasco Pereira da Silva explica que os problemas associados a legitimidade apenas se colocam quando estamos efectivamente perante a qualidade de parte.
De acordo com o regime jurídico actual a legitimidade decorre da alegação da posição de parte na relação material controvertida, sendo que o critério é o da atribuição de legitimidade em razão da posição dos sujeitos e da alegação de direitos e deveres na relação jurídica substantiva.
No que diz respeito à legitimidade activa, será parte o autor que alegue ser parte na relação material controvertida (artigo 9º- 1 CPTA), ou seja, sê-lo-á sempre que alegue a titularidade de um direito subjectivo ou alegue uma posição substantiva de vantagem no âmbito da relação jurídica administrativa.
Também o actor público e o actor popular, de acordo com o artigo 9º- 1 do CPTA, são sujeitos activos do processo administrativo. A razão de ser desta atribuição de legitimidade prende-se com o facto de o Contencioso Administrativo desempenhar, a par da função subjectiva de protecção plena e efectiva dos direitos dos particulares, desempenhar também uma função objectiva de tutela da legalidade e do interesse público. De acordo com esta função objectiva, cumpre ao acto público e popular, ainda que independentemente de interesse directo, prosseguir a tutela de bens e valores constitucionalmente protegidos e defender bens da titularidade do Estado, Regiões Autónomas e Autarquias Locais.
Relativamente à legitimidade passiva o critério é igualmente o da relação material controvertida, sendo que as partes serão as entidades públicas e os indivíduos ou pessoas colectivas privadas que estejam sujeitas às obrigações e deveres contrapostos aos do autor: artigo 10º- 1 do CPTA.
A reforma legislativa, no que diz respeito à questão da legitimidade passiva, a par da discussão doutrinária, parece ter consagrado a solução de preferência pela pessoa colectiva como sujeito processual. A opção legislativa abre portas para que na prática se permita a intervenção processual das autoridades responsáveis pelos comportamentos administrativos litigados e considera-as como verdadeiros sujeitos das relações de contencioso administrativo.
A par da legitimidade passiva e activa é de relevância referir o enquadramento dos sujeitos numa relação jurídica multilateral, de modo a permitir que em juízo sejam chamados todos os titulares da relação material controvertida. A relação jurídica actualmente considerada obriga a considerar como sujeitos outros privados que não sejam os imediatos destinatários de actos administrativos.
Neste sentido, o legislador teve necessidade de fazer dos intervenientes das relações multilaterais, sujeitos processuais. Senão vejamos.
À luz do artigo 12º do CPTA encontramos a coligação, permitindo a existência de litisconsórcio voluntário activo passivo, seja no caso de coligação de autores contra um ou vários demandados, tratando-se da mesma cauda de pedir e de pedidos distintos numa relação de prejudicialidade ou dependência, seja no caso de distintas causas de pedir, mas os pedidos suscitados tenham idênticos fundamentos de facto e de direito.
Também nos termos do artigo 48º do CPTA encontra-se regulada a figura dos processos de massa. Estamos no âmbito de processos que envolvem uma multiplicidade de sujeitos, mas que dizem ainda respeito à mesma relação jurídica material e estão em causa idênticos fundamentos de facto e de direito. Prevê-se, neste casos, a possibilidade de andamento de um ou alguns processos e a suspensão da tramitação dos demais.
Igualmente enquadrável no âmbito das relações jurídicas multilaterais encontra-se a situação do artigo 10º- 8 do CPTA. O regime previsto no artigo permite o chamamento de outras autoridades administrativas quando a satisfação de uma pretensão o exija.
Por fim, o artigo 57º do CPTA prevê a figura dos contra-interessados para os casos de litisconsórcio necessário passivo, no caso da acção administrativa especial para aqueles que tenham legítimo interesse na manutenção do acto impugnado.
É este o quadro actual da posição dos sujeitos no Contencioso Administrativo. A evolução fez-se no sentido de enquadrá-los dentro de um verdadeiro processo de partes e idêntico a qualquer outro processo jurisdicionalizado, como é o caso do civil.
VASCO PEREIRA DA SILVA, "O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise", Almedina, 2ª Edição
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