- Noção de norma impugnável
O conceito de norma impugnável deverá ser entendido em sentido amplo, incluindo, deste modo, todas as disposições de direito administrativo de carácter geral e abstracto, que visem a produção de efeitos permanentes numa relação intersubjectiva, onde cabem os planos, os estatutos, regimentos de órgãos colegiais, documentos pré-contratuais[1].
- Noção de Regulamento
É também conveniente recordar o conceito de ‘regulamentos administrativos’, correspondendo às normas jurídicas emanadas no exercício do poder administrativo por um órgão da Administração ou por uma entidade pública ou privada para tal habilitada por lei[2].
O Professor Vieira de Andrade refere que os regulamentos consituem ‘o nível inferior do ordenamento jurídico adiministrativo’[3], concluindo-se, então, que os regulamentos são uma fonte secundária de Direito Administrativo.
Do ponto de vista material, o regulamento administrativo constitui uma norma jurídica. Tem como características a generalidade, pois dirige-se a uma pluralidade de destinatários e a abstracção, na medida em que se aplica a uma ou mais situações definidas pelos elementos típicos que constam da previsão normativa.
- Breve referência contextualizadora
O direito a impugnar normas adiministrativas com eficácia externa que lesem os direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos encontra consagração constitucional no art. 268.º, n.º 5 da CRP, desde a revisão de 1997. O Professor Vasco Pereira da Silva refere a necessidade de se criarem mecanismos processuais que tornem possível o controlo dos regulamentos e a protecção dos direitos dos indivíduos, sendo um corolário necessário da proliferação de normas jurídicas emanadas de órgãos administrativos.
Há ainda que elencar as diferenças entre a impugnação de regulamentos antes da reforma e depois da reforma.
Antes da reforma existiam três modos para se reagir contenciosamente contra os regulamentos administrativos:
(1) Via incidental – era levada a cabo a apreciação indirecta do regulamento, configurando um incidente da questão principal, pretendia-se o recurso directo de anulação de um acto administrativo cuja ilegalidade derivava da aplicação de um regulamento inválido. Consequentemente, dava-se a anulação do acto administrativo e a não aplicação do regulamento ao caso concreto;
(2) Um meio processual genérico – declaração de ilegalidade de normas administrativas, meio adequado para reagir contra qualquer norma regulamentar;
(3) Um meio processual especial – a impugnação de normas.
As principais orientações do novo regime são diferentes, consistindo:
(1) Na uniformização do regime jurídico do contencioso regulamentar;
(2) Estabelecimento de um regime uniforme no que respeita à legitimidade.
4. Modalidades
Nos arts. 72.º e 73.º do CPTA são admitidos, embora não expressamente, dois tipos de pedidos:
(a) O pedido de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral;
(b) E, pedido de declaração de ilegalidade num caso concreto.
5. Pressupostos processuais
Quanto à legitimidade no que respeita à declaração com força obrigatória geral esta só poderá ser pedida pelos particulares interessados depois de a norma ter sido desaplicada em três casos concretos, porém, assim não será caso o pedido seja elaborado pelo Ministério Público, oficiosamente ou a requerimento das entidades legitimadas para a acção popular. Já se o Ministério Público tiver conhecimento da desaplicação em três casos tem o dever de propor a acção (art. 73.º, n.º 4 CPTA).
Quanto à declaração de ilegalidade da norma com efeito restrito ao caso concreto (desaplicação da norma) poderá ser pedida pelo lesado ou pelos titulares da acção popular quando a norma produza os seus efeitos imediatamente, sem depender de um acto administrativo ou judicial de aplicação, não sendo necessária a prévia desaplicação em três casos (art. 73.º, n.º 2 CPTA).
A legitimidade pertence, então, aos titulares de posições jurídicas subjectivas, aos actores públicos e aos actores populares.
Quanto à procedibilidade o processo é diferente, dependendo de quem é o autor da acção: no que respeita à acção para defesa de interesses próprios ou acção popular exige-se que tenham existido três sentenças de desaplicação no caso concreto ou que se trate de regulamento imediatamente exequível; quanto à acção pública são impugnáveis todos os regulamentos, exequíveis ou não por si mesmos, tendo ou não existido prévia decisão judicial de não aplicação em três casos concretos.
O interesse não terá de ser actual, pondendo ser futuro, devido à referência: “possa vir a ser previsivelmente prejudicado”, já não é, então, necessário o carácter directo do interesse.
A oportunidade do pedido de impugnação não está sujeita a prazo, podendo ser pedida a todo o tempo (art. 74.º).
- Algumas críticas do Professor Vasco Pereira da Silva
No que respeita às novidades trazidas pela Reforma o Professor suscita várias questões. Começando pela contraposição existente: entre particular e actor popular e entre actor público, no que se refere às condições de que depende a impugnação de regulamentos, que o Professor caracteriza como sendo “algo estranha”. Na medida em que a mesma torna o Ministério Público o principal responsável pela impugnação de normas jurídicas, condicionando a intervenção do actor popular e do particular, regra geral, à existência de três casos concretos de não aplicação e, também, a uma situação especial, quando se trate de norma exequível por si mesmas, possuindo a sentença alcance limitado. A crítica que o Professor faz baseia-se no facto de não compreender o porque do tratamento não igualitário da possibilidade de intervenção do actor público e do actor privado, face ao maior alcance de intervenção do Ministério Público, porque ambos actuam no sentido de defesa da legalidade e do interesse público.
O Professor “estranha”, também, o “tratamento desfavorável” do particular no contencioso de impugnação de normas jurídicas, sendo o mesmo mais desfavorável do que aquele que existia antes da Reforma.
Por fim, o Professor refere a criação de uma nova categoria de sentença de declaração de ilegalidade concreta de normas jurídicas gerais e/ou abstractas (art.73.º, n.º 2 CPA), a concretização legislativa não é adequada, porque parece que confunde a apreciação incidental com a principal e a desaplicação com declaração dotada de eficácia genérica. O único sentido útil a retirar da norma é que estamos perante uma declaração de ilegalidade sui generis, produzindo efeitos idênticos aos da não aplicação da norma.
[1] VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos, A Justiça Administrativa (Lições), pág. 234, nota 484, 6.ª edição, Almedina, 2004.
[2] FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, pág. 151 e 152, 8.ª edição, Setembro, 2008.
[3] VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos, O Ordenamento Jurídico Administrativo.
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