Na sequência do Post escrito pela Andreia Fernandes sobre, entre outras questões, o contencioso administrativo praticado na Alemanha, pretenderia, ainda, tecer mais algumas considerações que me pareceram interessantes sobre a evolução do contencioso administrativo deste país.
A data de 1789 foi um marco na história da França, mas nem por isso deixou de ter repercussões na Alemanha. Sobretudo a partir da revolução francesa a interpretação levada a cabo sobre o princípio da separação de poderes foi de tal maneira afincada que nos tribunais comuns alemães, 1º nos Estados do sul desse país, competências em matérias administrativas, passaram a ser a própria administração a adoptar mecanismos internos de fiscalização da legalidade administrativa dos seus próprios actos, segundo as expressões Administrativjustiz e/ou Verwaltungsrechtspflege. Apesar disso, a crescente idealização de um Estado de Direito evidenciado, em parte, durante a revolução liberal de 1848 e a consequente alteração da Lei sobre os Direitos Fundamentais do Povo Alemão, nomeadamente no tocante ao §49 (posteriormente §182 da Constituição de 1849), motivou a abolição da Justiça Administrativa, voltando os tribunais a zelar pela efectivação de direitos. <<Die Verwaltungsrechtspflege hört auf; über alle Rechtsverleztungen entsheiden die Gerichte>>. Nascia, então, a necessidade de fiscalização jurisdicional da legalidade administrativa, sob um novo ponto de vista em que se separou e tornou independentes a Justiça administrativa e a Administração: §181 <<Die Rechtspflege und Verwaltung sollen getrennt und von einander unabhängig sein>>. Ainda assim, sem consenso sobre que tribunais seriam competentes para as contendas jurídico-administrativas, se os comuns ou outros independentes da administração e dos comuns, em todas aquelas matérias que não abarcassem actos de polícia administrativa lesivos de direitos subjectivos, pois a esses competia os tribunais administrativos tratarem, acabou por adoptar-se o modelo da Prússia, em vigor até 1946, segundo o qual seriam competentes os tribunais administrativos em razão da matéria, quando para eles houvesse atribuição. Chamava-se a este princípio Enumerationsprinzip ou princípio da enumeração. Este modelo prussiano foi amplamente utilizado pelos Estados do Norte da Alemanha denotando, esse mesmo modelo, um carácter mais objectivista do Contencioso Administrativo, na medida em que o princípio da enumeração implicava a existência da devida competência dos tribunais para determinada situação concreta. Por seu turno, no caso dos Estados do Sul, o modelo aplicado era mais subjectivista, na medida em que por definição caberia aos tribunais o julgamento de actos que lesassem o particular, muito embora aqueles actos da administração que fossem praticados ao abrigo do exercício discricionário saíssem fora da equação. Era o modelo de Württemberg que os Estados do Sul da Alemanha aproveitavam.
Por conseguinte, até aos acontecimentos datados de 1933-1945 a disparidade entre Norte/Sul da Alemanha manteve-se relativamente igual, salvo aquando da República de Weimar em que houve uma maior inclinação para a subjectivização, embora com traços de legalidade objectivista, quando a consagração da protecção de direitos através de tribunais administrativos surge, a par de outros meios de garantia dos administrados (organizatórios, procedimentais e de inspecção e impugnação administrativa), mas os Estados do Norte mantiveram-se espartilhados por enumerações específicas que tornaram deficiente a protecção jurídica no domínio do Direito Administrativo, porque, ainda durante muito tempo, o Contencioso Administrativo encontrou-se marcadamente dependente da legislação de cada Estado. Mesmo apesar das tentativas de unificação do território alemão, no seguimento da revolução liberal de 1848, a realidade mostrou algo um pouco diferente, já que, no campo do contencioso administrativo manteve-se a disparidade entre a interpretação que os Länder do Norte da Alemanha faziam sobre o modo como um particular poderia ter acesso aos tribunais perante quaisquer actos administrativos e uma outra interpretação que ia, apesar de tudo, mais ao encontro dos interesses dos particulares e que, efectivamente, se praticava nos Estados a sul da Alemanha.
É, então, após a II Guerra Mundial que se verificou a unificação do sistema administrativo alemão perante a lei que criou em 1952 o Tribunal Administrativo Federal (Bundesverwaltungsgericht). Nos termos do §95 da Bundesverfassungsgericht ou Lei Fundamental da República Federal Alemã o tribunal, atrás descrito, passou a desempenhar funções de jurisdição administrativa de forma Suprema, como, aliás em 1960, se pôde confirmar com a emanação da Bundesverwaltungsgerichtsordnung ou Lei dos Tribunais Administrativos da República Federal da Alemanha. Desta feita, estavam, pois, reunidos os alicerces necessários de um verdadeiro Código de Contencioso Administrativo.
Em termos processuais, podemos apurar, que tanto na Constituição alemã §19 nº4, como na Lei dos Tribunais Administrativos §40 nº1, a Administração passou a ser hetero-sindicada pelo conjunto do Direito Constitucional e da própria lei ordinária que, em conjunto, passaram a representar os tribunais administrativos como uma parte do poder judicial e não como órgãos da Administração especializados no controlo jurisdicional da legalidade administrativa. Assim, no §19 nº4 da Constituição alemã estipulou-se a garantia constitucional da tutela jurisdicional contra a violação de direitos subjectivos por acto de poder e, no §40 nº1 da Lei dos Tribunais Administrativos, que cabem a si os actos de direito público que não respeitem ao Direito Constitucional e que tais actos não sejam deferidos expressamente por lei federal à jurisdição de outros tribunais.
Em termos organizatórios, por conseguinte, podemos constatar que os tribunais administrativos encontram-se divididos entre gerais e especiais, sendo que no caso dos tribunais administrativos especiais existam 2 ordens diferentes:
De uma parte, 2 ordens jurisdicionais separadas, como os Sozialgerichtsbarkeit ou tribunais sociais competentes para matérias ligados à Segurança Social e os Finanzgerichtsbarkeit ou tribunais financeiros ligados a estas matérias. Dentro de cada uma destas ordens de jurisdição existem 3 níveis de hierarquias.
No caso dos tribunais administrativos gerais, estes, encontram-se organizados em 3 níveis:
O 1º nível formado pelos tribunais administrativos dos Länder; o 2º pelos Verwaltungsgerichtshof, que são tribunais superiores aos dos Länder e que conhecem as matérias de direito e de facto segundo recurso. O 2º nível corresponde aos Oberverwaltungsgericht, com competências semelhantes aos de 2º nível. Acima destes todos, está, pois, o Bundesverwaltungsgericht que aprecia os recursos interpostos das decisões dos tribunais de 2º/3º níveis e, só em certos casos, das dos tribunais administrativos dos Länder.
No caso, em particular, de acções de impugnação de normas regulamentares, assim como quaisquer outras acções respeitantes a matérias achadas essenciais pelo legislador, como energia nuclear, planeamento urbanístico, instalação ou alargamento de aeroportos, auto-estradas, vias-férreas ou canais, dispõem os tribunais de 2º e 3º níveis de competências como tribunais de 1ª Instância.
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