sexta-feira, 22 de abril de 2011



A (in)definição da impugnabilidade do acto administrativo


A definição de acto administrativo impugnável redunda de diversas disposições legislativas que necessitam de ser compatibilizadas tanto com a doutrina que se divide como na ratio de cada preceito em causa.
Primeiramente, devemos partir da noção base de acto administrativo para a posteriori conseguirmos enquadrar a mesma na sistemática da impugnabilidade. O Art.120ºCPA dispõe que são considerados" actos administrativos as decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta". Ou seja, o acto manifesta-se pela a actividade da Administração Pública numa estatuição autoritária, vinculativa, imperativa e unilateral relativa a uma caso concreto no exercício dos poderes do sujeito da administração estatal (seja ela directa, indirecta ou autónoma), de modo a produzir efeitos jurídicos externos na esfera jurídica do destinatário/particular. Ora, a ideia vertida no Art.51º,52º,54º e n.º4 e 5 do Art.59º do CPTA quando compatibilizada com o artigo referido supra causa algumas dificuldades de interpretação fazendo surgir, assim, duas posições dominantes na nossa doutrina.
Numa visão mais restrita, salienta Vieira de Andrade que o conceito a tomar por acto administrativo vertido no CPA é um "conceito material" que se distancia da noção processual contenciosa do CPTA que se afigura ora mais "vasta",  ora mais "restrita". Pois, o acto administrativo na sua dimensão orgânica é impugnável na sua total amplitude pois não faz referência è entidade que pratica o acto (Art.51º/2CPTA) e restrita quando estão em causa decisões "aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos" (Art.51º/1CPTA). Funcionando, apenas, o Art.120ºCPA como critério de exclusão para os "actos instrumentais", as meras operações materiais e comportamentos da Administração Pública por não terem conteúdo decisório. A posição do mesmo autor parece transparecer uma cisão teórica e prática dos conceitos onde o acto administrativo implicaria uma decisão reguladora que produzisse efeitos externos por uma autoridade dotada de ius imperiu. Ou seja, a decisão enquanto acto de autoridade visa produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta sendo esses efeitos produzidos para lá da margem da unidade orgânica de onde foram emitidos, excluindo também os actos internos que produzem efeitos inter-pessoais.
Contudo, devemos ter em conta que já não é necessário ter a tripla definitividade do acto administrativo, além disso a impugnação ao depender da função e da natureza da acção precipita em dois tipos de acção com motivos exponencialmente distintos que perfilham o subjectivismo ou o objectivismo do contencioso administrativo: a acção de impugnação de um direito de um particular enquanto se relaciona com a administração estando em causa, aqui sim, uma lesão efectiva ou potencial do acto em causa; ou acção de defesa do interesse público em que há eficácia externa do acto em causa.
Mas, fica ressalvada a seguinte ideia, a primeira pode estar na origem de actos que provocaram lesões ou são susceptíveis de o fazer tendo eficácia externa, mas a segunda apenas pode ter como fundamento a eficácia externa e lesar a esfera jurídica de algum administrado. Logo, não será exigível a "eficácia externa" para a acção que espelha a tutela subjectiva respeitante a direitos e interesses dos particulares, sendo este requisito uma necessidade da legalidade objectiva.
Numa outra linha, Aroso de Almeida defende que apenas os actos com eficácia externa são imediatamente impugnáveis por entidades distintas das que emitiram, sendo um requisito inerente da natureza de efeitos e não um atributo inerente ao conceito. Contudo, se defendermos tal posição restringimos o conceito apenas aos actos com efeitos regulatórios, inovatórios, ou seja, constitutivos. Esquecemos, assim, actos inseridos num procedimento que podem ser impugnáveis, um decisão que põe termo ao procedimento, nem um acto praticado por um subalterno como pelo superior hierárquico que nos irá exigir a adopção ainda do recurso hierárquico necessário que se encontra ultrapassada. Além disso, o acto administrativo tanto pode estar presente num diploma legislativo ou regulamentar, mas também pode ser ineficaz. Contraria-se, então, a definitividade material.
Por isso mesmo, se partilharmos de uma noção mais e aberta de acto administrativo bastará ter acto para o impugnar? Parece que não.  
Numa formulação mais ampla, Vasco Pereira da Silva inclui na interpretação do Art.51ºCPTA todos os actos administrativos que em razão da situação possa causar lesão. Ou seja, os actos susceptível de impugnação deve deter um carácter amplo onde compreendem as decisões administrativas produtoras de efeitos, actuações administrativas que lesam direitos dos particulares, actos intermédios, decisões preliminares ou actos de execução. Para o mesmo autor " actos administrativos são todos os que produzam efeitos jurídicos, mas, de entre estes, aqueles cujos efeitos forem susceptíveis de afectar, ou de causar uma lesão a outrem, são contenciosamente impugnáveis". Conclui-se, que para Vasco Pereira da Silva a característica da impugnabilidade passa pela lesão que atribui tal direito ao particular enquanto direito fundamental expresso Art.268º/4 CRP. Além disso, a extensão do conceito de acto administrativo impugnável decorre da capacidade de apreciação dos actos procedimentais («… ainda que inseridos num procedimento administrativo, são impugnáveis os actos administrativos…» Art.51º/1CPTA), onde resulta a importância jurídica autónoma do procedimento e o afastamento da ideia de “definitividade horizontal” como critério da impugnabilidade dos actos administrativos.
Assim, na perspectiva de Vasco Pereira da Silva, poderão ser impugnados para além dos actos decisórios os actos intermédios lesivos dos particulares (exemplo disso são: actos de procedimento, actuações internas e externas e actuações marcadamente materiais).
Concluindo, na minha opinião, a lesividade do acto deve estar presente no efeito que pode provocar ou que provocou o acto. É esta lesividade que distingue o acto administrativo substantivo espelhado no CPA do acto impugnável contenciosamente, porque o Art.120ºCPA verte, na minha opinião, a definição do acto em si, o que é um acto material na sua pura abstracção ao trespassarmos para o CPTA falamos de um especifico acto que causou ou que vai causar danos na esfera jurídica de um particular que não poderá deixar de ter o poder de se defender impugnando-o. Contudo, a definição dada pelo CPA, e partilhada por Vasco Pereira da Silva, é extremamente lata abrangendo todo o tipo de actos desde parciais a provisórios, definitivos a prévios, procedimentais a não procedimentais, externos a internos, levando a concluir no extremo da questão: então todo o acto é impugnável, basta existir um acto para haver impugnação? Ou o acto em causa naquela situação deve ser lesivo? E deve ser especialmente lesivo? E os que não são? Só são impugnáveis se tiverem eficácia externa?
Devemos separar os conceitos, um conceito é vertido no CPA, um conceito material e substantivo e outro é o conceito que parte do substantivo e que se autonomiza a nível procedimental (praticado dentro do procedimento e susceptível de impugnar-se) ou processual (enquanto pressuposto para existir uma impugnação) na acção administrativa especial. Um tem base no outro, mas o CPA ressalva no seu Art.120º "Para os efeitos da presente lei..", ou seja, pode haver outras amplitudes mais ou menos restritivas e autonomizáveis do que é um acto administrativo sendo ele impugnável ou não. Deve-se partir, então, do conceito do Art.120º CPA, mas este deve ser consequentemente autónomo em latitude de aplicação orgânica e na sua particular distinção da possibilidade de lesão ou lesão efectiva que causou.

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