sábado, 30 de abril de 2011

Comentário a frase “ Admitir que o tribunal condene a administração seria uma manifesta violação da separação de poderes”.

Comentário a frase “ Admitir que o tribunal condene a administração seria uma manifesta violação da separação de poderes”.
O Principio da Separação de Poderes é hoje em dia entendido como tendo duas dimensões, uma dimensão negativa e uma dimensão positiva. A dimensão negativa impõe uma restrição de actuação aos órgãos do Estado, quando essa mesma actuação não se compreenda dentro das competências que lhe foram atribuídas pela lei. A dimensão positiva, diz respeito essencialmente a atribuição de competências a determinados órgãos consoante a sua apetência para a prossecução do interesse público, ou seja tem em conta a optimização dos meios que determinado órgão público tem. Estas duas dimensões intrínsecas do Principio da Separação dos poderes, são hoje em dia dois traços característicos de tal Principio, o que faz com que se afaste da concepção rígida teorizada por Montesquieu.
 Nesta frase, a grande questão que se levanta desde logo, é como deve ser hoje em dia, entendida a reserva da Administração perante os tribunais. Como defende o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, a nossa Constituição não reserva expressamente a função administrativa aos órgãos administrativos. Mas esta ideia, não nos pode de facto levar a um pensamento errado de considerar que os órgãos administrativos, não têm um espaço em que apenas eles são competentes. Esse espaço existe, não é claro, um espaço de livre autonomia, pois  os órgãos administrativos estão vinculados a lei, e claro esta aos limites imanentes que estão presentes quando estamos a tratar de problemas relacionados com a margem de livre apreciação por parte da Administração. E como corolário de tal situação é com naturalidade que se entende, hoje em dia, que os tribunais apenas podem controlar a actuações dos órgãos administrativos que violem a lei, e não fiscalizações ao mérito das actuações de tais órgãos. Portanto como tal a reserva da administração corresponde essencialmente a área de margem de livre decisão. Mas temos de ter em conta sempre, o artigo 71º do CPTA, pois este artigo é de facto relevante no que toca as delimitações das actuações dos tribunais no que toca as matérias administrativas. Em primeiro lugar, parece-me importante frisar, o facto de o tribunal poder impor a administração a prática do acto devido (71º nº1 parte final do CPTA). Tal solução faz sentido, pois se apenas fosse dado ao tribunal a competência de declarar nulos os actos administrativos, que não correspondessem aos actos devidos, o que iria acontecer é que declaração em termos práticos podia não ter grande efeito, pois a administração após o seu primeiro acto ter sido declarado nulo, podia proferir um acto semelhante ao declarado nulo. E como tal faz todo o sentido a condenação da administração ao acto devido. Em situações de discricionariedade reduzida a zero, tal condenação também terá que ser levada em conta, pois a administração como tem a sua discricionariedade reduzida a zero, apenas tem uma possibilidade de actuação, e como tal não haverá nesse caso, uma violação do Principio da separação de poderes. O outro ponto essencial e que vem resolver as duvida levantadas, pela frase acima transcrita. E esse ponto essencial vem expresso no nº2 do artigo 71º do CPTA. Diz-nos tal artigo que nas situações de margem de livre decisão, em especial nas situações de discricionariedade do órgão administrativo, em que se consiga encontrar mais do que uma possível actuação da administração, o tribunal não poderá impor uma determinada conduta a tal entidade pública. Mas apesar de não poder determinar o conteúdo do acto, o tribunal pode sim, impor determinadas balizas, ou melhor “ deve explicitar as vinculações” que têm que ser observadas pela actuação do órgão administrativo. E poder determinar essas tais vinculações é de facto bastante relevante.
Concluindo, a administração pode de facto vir a ser condenada pelos órgãos jurisdicionais, e essa condenação não ser considerada uma violação do Principio da Separação de Poderes.


André Sant’Ana Marques 
Subturma 3
Nº 17177

Recurso hierárquico (des)necessário?

Antes da grande reforma do Contencioso Administrativo, a necessidade do recurso hierárquico constituía um pressuposto processual para efeitos de impugnabilidade contenciosa de um acto administrativo. Exigia-se, assim, a definitividade vertical do acto administrativo enquanto requisito para que o acto pudesse ser impugnado judicialmente.
Até 1989, conferia-se aos particulares o direito de recurso contencioso contra actos administrativos definitivos e executórios, o que levou à tradicional dicotomia entre recursos hierárquicos necessários e recursos hierárquicos facultativos. Com a revisão constitucional de 1989, alterou-se o disposto no nº 4 do art. 268º, que deixou de fazer referência ao critério da definitividade, passando a dispor que são recorríveis “quaisquer actos administrativos lesivos de direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares”, adoptando assim o critério da lesividade do acto, o que suscitou dúvidas na doutrina quanto à constitucionalidade do recurso hierárquico necessário.
Neste âmbito, o Professor Vasco Pereira da Silva considera que, com aquela revisão constitucional, mesmo antes da reforma do CPTA, deixou de se exigir a definitividade vertical do acto como pressuposto de recurso ao meio contencioso, bastando agora a existência da lesividade, e, portanto, todo e qualquer recurso hierárquico necessário estaria ferido de inconstitucionalidade, na medida em que essa imposição equivale a uma negação do direito fundamental de acesso à justiça, violando assim o princípio da plenitude da tutela dos direitos dos particulares. Refere ainda o Professor que aquela exigência viola igualmente o princípio da desconcentração administrativa (art.267.º/2 CRP) que implica a impugnabilidade dos actos dos subalternos, sempre que estes sejam lesivos, tal como o princípio da efectividade da tutela nos termos do art. 268º/4 CRP por força do efeito preclusivo da impugnabilidade da decisão administrativa no caso de não ter havido interposição de recurso hierárquico, no prazo de 30 dias. Entende, por fim, que tal exigência viola ainda o princípio da separação entre a Administração e a Justiça (arts.114º, 205º e ss. e 266º e ss. CRP), por fazer precludir o direito de acesso ao tribunal em resultado da não utilização de uma garantia administrativa.
Outra doutrina, como é o caso dos Professores Feitas do Amaral e Vieira de Andrade, entende que o legislador ordinário continuaria a estar livre de exigir a definitividade do acto, mediante legislação avulsa e, desta forma, a dualidade de recurso necessário e facultativo continua a fazer sentido. Para este sector doutrinário a exigência de impugnação administrativa era meramente ordenadora e não constituía um ataque aos direitos, liberdades e garantias dos particulares, nomeadamente o acesso ao tribunal. Por fim, o nº4 do art. 268º não impõe a impugnabilidade imediata, apenas determinando que a garantia contenciosa não pode ser negada quando exista um acto administrativo.
Actualmente, o CPTA não exige que os actos administrativos sejam objecto de prévia impugnação administrativa, para que possam ser objecto de impugnação contenciosa, decorrendo dos arts. 51 º e 59.º, nºs 4 e 5 do CPTA que a utilização de vias de impugnação administrativa não é necessária para aceder à via contenciosa.
É opinião maioritária na doutrina que a Reforma do CPTA veio estabelecer, como regra geral, o recurso hierárquico alternativo, pois parece resultar do art. 51º/1 CPTA que o critério de impugnabilidade contenciosa dos actos será, apenas, a sua lesividade. Além disso, o art. 59º/4 CPTA estabelece a suspensão dos prazos para impugnação contenciosa quando seja intentado recurso administrativo e o art. 59º/5 prevê especificamente a hipótese de recorrer aos tribunais administrativos mesmo durante a pendência de impugnação graciosa.
Destas alterações o Professor Vasco Pereira da Silva retira que as disposições que imponham o recurso hierárquico necessário, além de inconstitucionais, terão sido revogadas com estas alterações. Assim sendo, para este Professor, deixou de poder ser exigido o recurso hierárquico necessário em todos dos casos.
Todavia, alguma doutrina contesta esta opinião, como é o caso do Professor Mário Aroso de Almeida, entendendo que esta apenas será a regra geral do Contencioso Administrativo, mantendo-se, assim, em vigor as disposições avulsas que contenham aquela imposição, pois que o novo regime não implicaria a revogação das “múltiplas determinações legais avulsas que instituem impugnações administrativas necessárias, disposições que só poderiam desaparecer mediante disposição expressa que determinasse que todas elas se [considerassem] extintas”, pois o CPTA não tem o alcance de revogar as múltiplas determinações legais avulsas que instituem impugnações administrativas necessárias.
Assim, na opinião deste Professor, as decisões administrativas continuam a estar sujeitas a impugnação administrativa necessária nos casos em que isso esteja expressamente previsto na lei, sendo considerada uma opção consciente e deliberada por parte do legislador.
Rejeita, assim, a tese proclamada pelo Professor Vasco Pereira da Silva, argumentando que não cabe à Constituição estabelecer os pressupostos de que possa depender a impugnação de actos administrativos. Além disso, uma vez intentada a impugnação administrativa necessária, a via de reacção contenciosa a seguir, no caso de ela não surtir efeitos, será sempre a via impugnatória, sendo a utilização da impugnação administrativa necessária um mero requisito da observância do qual depende a abertura da via impugnatória.
Também o Professor Vieira de Andrade considera que não existe inconstitucionalidade nos casos de impugnação administrativa obrigatória, pois entende que o art.268º/4 apenas obriga a que não se exclua, em caso algum, o acesso a meios contenciosos em caso de lesão originada por acto administrativo. Assim sendo, aquele preceito não parece excluir este condicionamento ao acesso aos tribunais na medida em que esse acesso não é negado, acabando por ser sempre possível. Refere ainda o Professor que o art.18º/2 CRP admite limitações a direitos fundamentais, nos termos ali previstos. Por fim, afirma que os casos de necessidade de interposição de recurso hierárquico se justificariam à luz do princípio da unidade da acção administrativa (art.267º/2 e 199º, al.d) CRP) e da economia processual no contencioso administrativo.

Cumpre tomar posição. De facto, creio que não se pode afirmar a inconstitucionalidade do recurso hierárquico necessário. Ao olharmos para o art. 268.º/4 CRP vemos que se garante a tutela jurisdicional efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares. Ora, ao exigir-se que o particular recorra hierarquicamente do acto lesivo, enquanto pressuposto da impugnação contenciosa, não se está a pôr em causa aquela tutela efectiva, na medida em que o particular pode sempre impugnar contenciosamente aquele acto posteriormente. Não existe, assim, uma restrição ao acesso aos tribunais. Além disso, passados 20 anos desde a referida revisão constitucional, o Tribunal Constitucional em nenhuma ocasião proferiu a sua inconstitucionalidade, antes se pronunciando pela não inconstitucionalidade do recurso hierárquico necessário, como é exemplo o Ac. TC nº 499/96.
Quanto à subsistência do recurso hierárquico necessário em disposições avulsas, creio que não podemos solucionar o problema apenas pelas regras gerais da revogação, como têm feito os tribunais. A tendência jurisprudencial tem sido a de afirmar que, tratando-se de regimes especiais, há lugar à aplicação do disposto no nº 3 do art. 7.º do Código Civil, pelo que, o facto de o regime geral ter sido alterado, não dá lugar à revogação tácita das disposições especiais, na medida em que é necessária uma revogação expressa. Deste modo, os tribunais têm defendido que tais disposições mantêm-se em vigor e, assim sendo, continua a ser exigível o recurso hierárquico necessário nesses casos.
Não seguindo a via da inconstitucionalidade, nem a da revogação, temos que encontrar outra solução. Neste âmbito, concordo com a posição do Professor Vasco Pereira da Silva ao defender a caducidade dessas normas por falta de objecto. Ora, antes da reforma do CPTA, para efeitos de impugnação contenciosa era adoptado o critério do acto administrativo definitivo e executório, pelo que, a necessidade do recurso hierárquico justificava-se precisamente para conferir aquela definitividade vertical ao acto administrativo. Adoptando, actualmente o art. 51º/1 CPTA o critério da eficácia externa, já não se justifica aquela necessidade, deixando o recurso hierárquico de constituir um pressuposto processual. Assim sendo, podemos questionar para que serve então a exigência de recurso hierárquico necessário nas tais disposições avulsas, sendo que a conclusão a que chegamos é que já não tem qualquer utilidade, pelo que caducaram por falta de objecto.

Bibliografia:
MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, Coimbra, 2010, pp. 302 a 308
MÁRIO AROSO DE ALMEIDA E CARLOS ESTEVES CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativo, Almedina, 3.ª edição, 2010, pp.348.
VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa (Lições), 11.ª edição, Coimbra, 2011, pp. 221 a 222.
VASCO PEREIRA DA SILVA em, por exemplo, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2.ª edição, Coimbra, 2009, pp. 348 e 349

Nair Cordas
Nº 17473, Subturma 3

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Breve evolução sobre o Contencioso Alemão. Actual organização e estrutura dos Tribunais Administrativos


Na sequência do Post escrito pela Andreia Fernandes sobre, entre outras questões, o contencioso administrativo praticado na Alemanha, pretenderia, ainda, tecer mais algumas considerações que me pareceram interessantes sobre a evolução do contencioso administrativo deste país.

A data de 1789 foi um marco na história da França, mas nem por isso deixou de ter repercussões na Alemanha. Sobretudo a partir da revolução francesa a interpretação levada a cabo sobre o princípio da separação de poderes foi de tal maneira afincada que nos tribunais comuns alemães, 1º nos Estados do sul desse país, competências em matérias administrativas, passaram a ser a própria administração a adoptar mecanismos internos de fiscalização da legalidade administrativa dos seus próprios actos, segundo as expressões Administrativjustiz e/ou Verwaltungsrechtspflege. Apesar disso, a crescente idealização de um Estado de Direito evidenciado, em parte, durante a revolução liberal de 1848 e a consequente alteração da Lei sobre os Direitos Fundamentais do Povo Alemão, nomeadamente no tocante ao §49 (posteriormente §182 da Constituição de 1849), motivou a abolição da Justiça Administrativa, voltando os tribunais a zelar pela efectivação de direitos. <<Die Verwaltungsrechtspflege hört auf; über alle Rechtsverleztungen entsheiden die Gerichte>>. Nascia, então, a necessidade de fiscalização jurisdicional da legalidade administrativa, sob um novo ponto de vista em que se separou e tornou independentes a Justiça administrativa e a Administração: §181 <<Die Rechtspflege und Verwaltung sollen getrennt und von einander unabhängig sein>>. Ainda assim, sem consenso sobre que tribunais seriam competentes para as contendas jurídico-administrativas, se os comuns ou outros independentes da administração e dos comuns, em todas aquelas matérias que não abarcassem actos de polícia administrativa lesivos de direitos subjectivos, pois a esses competia os tribunais administrativos tratarem, acabou por adoptar-se o modelo da Prússia, em vigor até 1946, segundo o qual seriam competentes os tribunais administrativos em razão da matéria, quando para eles houvesse atribuição. Chamava-se a este princípio Enumerationsprinzip ou princípio da enumeração. Este modelo prussiano foi amplamente utilizado pelos Estados do Norte da Alemanha denotando, esse mesmo modelo, um carácter mais objectivista do Contencioso Administrativo, na medida em que o princípio da enumeração implicava a existência da devida competência dos tribunais para determinada situação concreta. Por seu turno, no caso dos Estados do Sul, o modelo aplicado era mais subjectivista, na medida em que por definição caberia aos tribunais o julgamento de actos que lesassem o particular, muito embora aqueles actos da administração que fossem praticados ao abrigo do exercício discricionário saíssem fora da equação. Era o modelo de Württemberg que os Estados do Sul da Alemanha aproveitavam.
Por conseguinte, até aos acontecimentos datados de 1933-1945 a disparidade entre Norte/Sul da Alemanha manteve-se relativamente igual, salvo aquando da República de Weimar em que houve uma maior inclinação para a subjectivização, embora com traços de legalidade objectivista, quando a consagração da protecção de direitos através de tribunais administrativos surge, a par de outros meios de garantia dos administrados (organizatórios, procedimentais e de inspecção e impugnação administrativa), mas os Estados do Norte mantiveram-se espartilhados por enumerações específicas que tornaram deficiente a protecção jurídica no domínio do Direito Administrativo, porque, ainda durante muito tempo, o Contencioso Administrativo encontrou-se marcadamente dependente da legislação de cada Estado. Mesmo apesar das tentativas de unificação do território alemão, no seguimento da revolução liberal de 1848, a realidade mostrou algo um pouco diferente, já que, no campo do contencioso administrativo manteve-se a disparidade entre a interpretação que os Länder do Norte da Alemanha faziam sobre o modo como um particular poderia ter acesso aos tribunais perante quaisquer actos administrativos e uma outra interpretação que ia, apesar de tudo, mais ao encontro dos interesses dos particulares e que, efectivamente, se praticava nos Estados a sul da Alemanha.
É, então, após a II Guerra Mundial que se verificou a unificação do sistema administrativo alemão perante a lei que criou em 1952 o Tribunal Administrativo Federal (Bundesverwaltungsgericht). Nos termos do §95 da Bundesverfassungsgericht ou Lei Fundamental da República Federal Alemã o tribunal, atrás descrito, passou a desempenhar funções de jurisdição administrativa de forma Suprema, como, aliás em 1960, se pôde confirmar com a emanação da Bundesverwaltungsgerichtsordnung ou Lei dos Tribunais Administrativos da República Federal da Alemanha. Desta feita, estavam, pois, reunidos os alicerces necessários de um verdadeiro Código de Contencioso Administrativo.
Em termos processuais, podemos apurar, que tanto na Constituição alemã §19 nº4, como na Lei dos Tribunais Administrativos §40 nº1, a Administração passou a ser hetero-sindicada pelo conjunto do Direito Constitucional e da própria lei ordinária que, em conjunto, passaram a representar os tribunais administrativos como uma parte do poder judicial e não como órgãos da Administração especializados no controlo jurisdicional da legalidade administrativa. Assim, no §19 nº4 da Constituição alemã estipulou-se a garantia constitucional da tutela jurisdicional contra a violação de direitos subjectivos por acto de poder e, no §40 nº1 da Lei dos Tribunais Administrativos, que cabem a si os actos de direito público que não respeitem ao Direito Constitucional e que tais actos não sejam deferidos expressamente por lei federal à jurisdição de outros tribunais.
Em termos organizatórios, por conseguinte, podemos constatar que os tribunais administrativos encontram-se divididos entre gerais e especiais, sendo que no caso dos tribunais administrativos especiais existam 2 ordens diferentes:
De uma parte, 2 ordens jurisdicionais separadas, como os Sozialgerichtsbarkeit ou tribunais sociais competentes para matérias ligados à Segurança Social e os Finanzgerichtsbarkeit ou tribunais financeiros ligados a estas matérias. Dentro de cada uma destas ordens de jurisdição existem 3 níveis de hierarquias.
No caso dos tribunais administrativos gerais, estes, encontram-se organizados em 3 níveis:
O 1º nível formado pelos tribunais administrativos dos Länder; o 2º pelos Verwaltungsgerichtshof, que são tribunais superiores aos dos Länder e que conhecem as matérias de direito e de facto segundo recurso. O 2º nível corresponde aos Oberverwaltungsgericht, com competências semelhantes aos de 2º nível. Acima destes todos, está, pois, o Bundesverwaltungsgericht que aprecia os recursos interpostos das decisões dos tribunais de 2º/3º níveis e, só em certos casos, das dos tribunais administrativos dos Länder.
No caso, em particular, de acções de impugnação de normas regulamentares, assim como quaisquer outras acções respeitantes a matérias achadas essenciais pelo legislador, como energia nuclear, planeamento urbanístico, instalação ou alargamento de aeroportos, auto-estradas, vias-férreas ou canais, dispõem os tribunais de 2º e 3º níveis de competências como tribunais de 1ª Instância.


Dissertação sobre Afirmações

" Julgar a Administração é ainda administrar"
"Admiter que um tribunal condene a administração seria uma manifesta violação do princípio da separaçao de poderes"
Quando surgiu na revolução francesa,o contencioso administrativo estava intimamente ligado á garantia da defesa dos poderes publicos.Nesta altura nada tinha a ver com a salvaguarda dos Direitos dos particulares.
A percepção que se tinha na altura do princípio da separação dos poderes levou á atribuição aos orgãos da Administração a tarefa de se julgarem a si mesmo criando assim uma confusão entre a funçao de administrar e a função de julgar.Por isso o prof Vasco Pereira Da Silva alude no seu manual ao chamado "pecado original" do contencioso administrativo,na promiscuidade entre essas duas tarefas hoje para nós completamente distintas.Aos Tribunais judicias da Revolução francesa estava vedado qualquer intervenção na Administação e apoiava se na ideia "errada" que se tinha na altura do principio da separação dos poderes e que levou muitos a falarem de uma concepçao rígida do princípio da separaçao dos poderes.E que levou ao surgimento de um sistema em que o juiz era administrador.
A noçao de Estado na Revolução francesa era de que este deveria ser poderoso e "esconder se" na Administraçao levou á criação de um contencioso especial pois era impensável o seu julgamento por qualquer outro juiz.
Por ultimo e não menos importante a noção que se tinha do Princípio da Separação dos poderes contribuiu para a ja aludida confusão julgar e administrar.
Montesquieu vai integrar esse princípio no ambito estadual considerando que"existem três especies de poderes:o legislativo,o executivo das coisas que dependem do Direito público e o poder executivo que depende do Direito civil.E considera que o poder judicial era aquele atravês do qual o Estado"pune os crimes e julga os diferendos dos particulares.Ou seja a resolução dos lítigios em materia administrativa não pertenvia aos tribunais.

lucinda Mota nº 13803 sub 3

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Licenciamento polémico (Largo do Rato)-Acto administrativo Impugnável

A Associação "Salvem o Largo do Rato" anunciou na quarta-feira (dia 13 de Abril) a interposição de uma acção administrativa especial contra a Câmara de Lisboa.·
Em causa, está o acto administrativo da Câmara Municipal de licenciamento do imóvel projectado para aquela praça por Frederico Valsassina e Manuel Aires Mateus.

A acção administrativa especial encontra-se regulada no artigo 46.º do CPTA e seguintes. Nos termos do citado artigo, devem seguir a forma de acção administrativa especial "os processos cujo objecto sejam pretensões emergentes da prática ou omissão ilegal de actos administrativos" e, neste caso, a recém-criada associação alega a violação de normas legais pela Câmara de Lisboa ao permitir, no topo da Rua de Salitre, a construção de um imóvel, comprometendo o PDM de Lisboa. Critica o projecto, por implicar uma ruptura estética e urbanística com edíficios envolventes, além de transformar aquela zona "nobre" da cidade num "amontoar de betão".
                                        
Acto administrativo Impugnável, constitui um dos pressupostos processuais específicos da acção administrativa especial, na modalidade de anulação, de acordo com o Código de Processo dos tribunais Administrativos (artigos 51.º a 54.º CPTA).
O conceito de acto administrativo impugnável, começa por pressupor um conceito material de acto administrativo, que se refere, nos termos do artigo 120.º do CPA, às decisões materialmente administrativas de autoridade que visem a produção de efeitos numa situação individual e concreta - independentemente da forma como são emitidas, isto é, mesmo que apareçam em forma de regulamento ou estejam contidas em diplomas legislativos.
A questão coloca-se quando nos defrontamos com a noção de acto administrativo previsto no art. 120º do CPA que o define como “ as decisões dos órgãos da Administração que, ao abrigo de normas de direito público visam produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta” este um conceito substantivo de acto administrativo, já o conceito processual de acto administrativo de acordo com o art. 51º/1 do CPTA refere que “…são impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos”. A discussão doutrinária circunscreve-se a interpretações amplo / restrita ou simplesmente ampla na contraposição destes dois artigos.

Para VIERA DE ANDRADE o acto administrativo impugnável tem um conceito mais vasto do ponto de vista Orgânico, na medida em que não releva a entidade autora do acto (art. 51/ 2 CPTA) e mais restrito porque só abrangem decisões administrativas com eficácia externa, em especial aquelas que lesem direitos ou interesses legalmente protegidos. Para o autor a eficácia externa e a lesão na esfera jurídica dos particulares são requisitos cumulativos para que o acto possa ser impugnado.

 VASCO PEREIRA DA SILVA, entende o conceito de acto administrativo impugnável uma realidade de contornos amplos que compreendem não apenas “ as decisões administrativas finais e perfeitas criadoras de efeitos jurídicos novos, como também aqueloutras actuações administrativas imediatamente lesivas dos direitos dos particulares, que tanto podem ser actos intermédios, decisões preliminares, ou simples actos de execução. Desta forma, o acto administrativo impugnável não pode deixar de estar intimamente ligado ao conceito substantivo de acto administrativo constante do art. 120º do CPA, donde resulta uma noção ampla e aberta de acto administrativo. Os critérios do art. 51º/1 do CPTA são vistos de forma autónoma pois a “ aparente subalternização “ do critério da susceptibilidade de lesão direitos não só é qualitativamente como quantitativamente insustentável à luz da CRP – art. 268.º/4 e dos processos julgados nos tribunais administrativos.

Até que ponto fará sentido a interpretação restrita da norma face ao art. 120.º do CPA? Talvez a formulação do legislador não tenho sido a mais correcta ao incluir o adverbio “especialmente”.
No entanto, com a reforma do contencioso e numa lógica de Administração mais complexa e multifacetada, a concepção ampla coaduna-se melhor à luz do art. 268º./ 4 da CRP ao permitir a tutela efectiva e integral dos direitos dos particulares.
A maior abertura do conceito em questão vai ao encontro do exposto no artigo 268 º /4 da C.R.P, que consagra um direito fundamental de impugnação dos actos administrativos que prejudiquem os particulares, garantindo assim a tutela integral e efectiva dos direitos destes.

VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa , Almedina, 2004.

VASCO PEREIRA DA SILVA, Para um contencioso administrativo dos particulares, Almedina, 1989, Lisboa

domingo, 24 de abril de 2011

A Legitimidade

A legitimidade está prevista no art.9ºss do CPTA e é um pressuposto processual através do qual a lei define os sujeitos de cada processo judicial, destinando-se portanto, a trazer a juízo os titulares da relação jurídica material controvertida, a fim de dar sentido útil ás decisões dos tribunais.

Relativamente à legitimidade activa, o art. 9º CPTA atribui a quem alegue ser parte de uma relação material controvertida, bastando para tal a alegação da titularidade do direito. Depois a questão de saber ou não se é titular do direito em causa, será auferido no processo.

Quanto à legitimidade passiva, o art. 10º CPTA atribui àquele contra quem é proposta a acção.

Assim, é o autor que conforma a relação jurisdicional administrativa.

O art. 9º CPTA distingue uma legitimidade para a defesa de interesses próprios e uma legitimidade que cabe a todos os indivíduos, "independentemente de terem interesse directo na demanda"(art. 9º, nº2 CPTA), para a tutela objectiva dos bens e valores da ordem jurídica, defendendo a legalidade e o interesse público.
A legitimidade para defesa de interesses próprios ocorre sempre que o sujeito alegue ser parte de uma relação administrativa material controvertida.

Existem ainda relações multilaterais, que obrigam o chamamento a juízo de todos os titulares da relação material controvertida, para que haja coincidência entre a relação material e processual.
Estas relações multilaterais correspondem às figuras do litisconsórcio e da coligação.


Estamos perante um caso de coligação quando cada um dos pedidos é formulado por cada um dos autores (activa) ou contra cada um dos réus (passiva). Há aqui, pluralidade de pedidos com conexão entre si.
Há litisconsórcio quando todos os pedidos são formulados por todas as partes (activo) ou contra todas as partes (passivo), havendo unicidade de pedidos.


Assim, conclui-se que embora o contencioso administrativo tenha como função primordial a defesa de interesses particulares (função subjectiva), é necessário cada vez mais, ter em conta situações objectivas de defesa da legalidade e interesse público, com a consequência de ter de se adaptar a novas situações que correspondem à multiplicação de interesses e relações multilaterais, e não apenas de relações bilaterais entre o particular e a administração.


Marta Gomes Martins (nº 16223)
Turma A, Subturma 3

Meios Processuais no âmbito de Contencioso Administrativo - Acção Comum e Acção Especial

























As crescentes mutações que o Contencioso Administrativo nacional vem sofrendo com o passar tempos, nomeadamente quanto à progressiva efectivação, na esfera dos particulares, de direitos e garantias contra as sucessivas actuações omissas e/ou lesivas da administração face a esses mesmos particulares, no campo dos processos contenciosos da Administração não menos, tais alterações, têm sido visíveis. Facto é que na tentativa de superação dos “velhos traumas” de uma “infância difícil”, se tenha garantido ao particular, aquando de um qualquer processo administrativo, “a tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas” (art. 268 nº4 crp), ou seja, passou a garantir-se ao particular uma panóplia de direitos e garantias que poderão, em último caso, ser figuradas nas próprias sentenças que poderão gerar uma simples apreciação de certo acto; a prática de actos devidos; a impugnação de actos administrativos ou medidas cautelares. Desta feita, é pois em grande medida, por meio da Acção Administrativa Comum e Especial, dois dos principais meios processuais de contencioso administrativo que me proponho desenvolver, que todos estes desfechos se fazem sentir na esfera do particular.

Relativamente à Acção Administrativa Comum (AAC) devemos ter em conta os art. 37 e sgts. do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) que esclarecem aos principais interessados as pretensões que esses, individual ou colectivamente, poderão fazer valer-se neste meio processual. Assim, encontram-se reguladas na AAC acções cujas matérias relacionem-se com questões de responsabilidade civil extracontratual de entidades Públicas e com matérias que envolvam questões contratuais art. 37 nº2 f) e h) CPTA. Por outro lado, qualquer processo que envolva a condenação da administração ao cumprimento de deveres de prestação de certas normas e que, assim sendo, não envolvam actos administrativos impugnáveis, nem devam ser alvo de um de dois processos urgentes de intimação que o CPTA prevê nos art 104 e sgts, encontram-se, mais uma vez, aqui, na AAC, regulados. Por fim, acolhe, ainda, a acção administrativa comum acções não nominadas (antigo art. 73 da LPTA), que podem ser intentadas por entidades públicas contra outras entidades públicas ou contra particulares. Pode, pois, assim, constatar-se que este meio processual, embora, possa terminar em sentenças condenatórias, de simples apreciação ou constitutivas, a verdade é que aqueles outros litígios jurídico-administrativos que pelas suas especificidades sejam excluídos dos restantes meios processuais cabem, também esses, aqui na AAC.
Por contrapartida, na Acção Administrativa Especial (AAE) podemos examinar o carácter mais subjectivista que o Contencioso Administrativo tem vindo a sentir com o passar dos anos. De facto, muito embora este meio processual seja designado pelo CPTA como um meio processual especial, e o anterior meio processual de comum, a verdade é exactamente a oposta, na medida em que a acção especial é, muitas vezes, a comum, enquanto aquela designada pela lei de acção administrativa comum, grandemente a especial. É aqui, portanto que de facto podemos notar a dificuldade que a administração, ainda hoje sente em ultrapassar, por escrito, os “traumas de uma infância difícil”, de um particular objectivismo para, agora, perante uma administração mais prestadora, garantistica, subjectivista. A realidade entre a AAC e a AAE não é muito diferente, já que em ambos os meios processuais ultrapassou-se a questão das sentenças de mera anulação, podendo, então, tanto numa AAC, como numa AAE gerar-se sentenças de simples apreciação, anulação ou de condenação, consoante a natureza dos respectivos pedidos. Resta, talvez, pensar-se nesta diferenciação entre AAC e AAE relativamente à dicotomia acto e regulamento administrativo e demais litígios (art. 37 vs 46 CPTA), cabendo no 1º caso a AAE e ao 2º a AAC, o que mesmo nestes casos a delimitação da AAC da AAE, não fará muito sentido, na óptica do Prof. Vasco Pereira da Silva, entre outras justificações, aquela que se reporta à cumulação de pedidos dos art. 4 e 5 CPTA, ou seja, pode acontecer que certa cumulação de pedidos corresponda a diferentes formas de processo, devendo nesses casos e segundo a lei adoptar-se a AAE, quer dizer a cumulação do pedido de responsabilidade civil com o de anulação de acto administrativo ou o da validade ou da execução de um contrato com um acto de procedimento ou com um acto destacável que geram diferentes formas de processo, devem, pois, seguir a forma de AAE. Assim, resulta desta “troca de nomes”, senão mesmo “troca de identidades” que a AAE vai passar a ser comum, ao mesmo tempo, que na prática, a AAC vai passar a ser a AAE. Desta forma, é a acção especial que maior relevo acaba por ter no âmbito de Contencioso administrativo, ainda que achada pela lei como AAE e que, em particular, o Prof. Vasco Pereira da Silva a acha como uma acção “guarda-chuva”, exactamente, porque consoante a natureza do pedido em causa, mesmo que dentro da esfera da AAC, poderá haver a susceptibilidade de recair-se sobre uma qualquer modalidade das sentenças da AAE. Isto porque em termos abstractos, também os pedidos de uma AAC poderão ser dirigidos a um qualquer particular (entregar uma coisa, executar um contrato, pagar uma quantia, adoptar uma conduta material ou omiti-la). Assim, na AAE cabem, pois as mais distintas “sub-acções” em razão do pedido e que resultarão numa qualquer modalidade de sentença; veja-se para tanto o art. 46 nº2 CPTA:

a) Anulação de um acto administrativo ou a declaração da sua inexistência;
b) Condenação à prática de um acto administrativo legalmente devido;
c) Declaração de ilegalidade de normas regulamentares ilegais;
d) Declaração de ilegalidade pela não emissão de regulamentos;

Desta forma, o CPTA regulou com enorme detalhe a AAE, enquanto que a AAC foi direccionada para o Código de Processo Civil.
Uma das primeiras ideias da AAE é que não só poderá existir cumulação de pedidos art 47 nº1 com remissão para o art 4 CPTA, como poderão ser dirigidos ao tribunal 2 géneros de pedidos:

(I)  Impugnações a fim de se obter em tribunal a anulação ou a declaração de nulidade ou inexistência jurídica de um acto administrativo, ou a declaração de ilegalidade de uma norma regulamentar ou da sua omissão;
(II)    Pedidos Condenatórios que obriguem um órgão da administração pública a praticar um acto administrativo legalmente devido;

(I) A impugnação contenciosa tem por objecto os actos administrativos que, na perspectiva do Prof. Vasco Pereira da Silva tenham eficácia externa, isto é, aqueles actos que tenham repercussões nas relações jurídicas estabelecidas entre a Administração Pública e a esfera dos particulares e/ou esses mesmos actos sejam susceptíveis de lesar direitos e interesses dos particulares que estejam legalmente protegidos art 268, nº 4 CRP e art 51, nºs 1 e 2; art 52, nº 1, art 53 e 54 nº1 do CPTA, excluindo-se a ideia que logrou até à revisão de 1989 de que somente o acto administrativo definitivo e executório poderia ser objecto de impugnação. Assim, a impugnabilidade do acto é independente de eficácia, sendo suficiente o início da execução do acto, certo ou muito provável, que a sua eficácia se virá a produzir art 54 CPTA. Não constitui, igualmente, obstáculo à impugnação do acto a circunstância de o mesmo não consubstanciar a decisão final de um procedimento administrativo, ou seja, tratar-se de um acto preparatório ou interlocutório. A impugnabilidade do acto pode, ainda, existir mesmo que praticado no exercício de uma actividade administrativa pública e de o seu autor não ser um órgão de uma pessoa colectiva pública. A protecção geral administrativa, não depende da natureza pública das entidades sujeitas à justiça administrativa, mas da natureza pública da actividade desenvolvida - Art 51º, nº 2 CPTA.


(II) No pedido de condenação à prática do acto administrativo devido, o interessado pede ao tribunal que condene a entidade administrativa, cujo órgão tem competência para praticar um certo acto, e que tem o dever legal de o fazer, mas que se recusou a fazê-lo ou omitiu a sua prática – art 66 CPTA. O juiz apenas julga o cumprimento da administração pública das normas a que deve obediência, cabendo ao órgão competente dirigir uma resposta favorável ao não ao particular.
O pedido de condenação à prática do acto administrativo só pode ser formulado de acordo com o n 1 do art 67 CPTA – ao prever tais circunstâncias a lei considerou que o órgão administrativo competente tem sempre o dever de tomar uma decisão, o que não significa que tenha o dever de decidir sempre favoravelmente o pedido do interessado. Na verdade, o dever que o órgão competente está adstrito para decidir é o de tomar uma decisão que respeite as vinculações absolutas, sejam elas de forma, formalidades, fim, etc. e que obedeça aos princípios constitucionais presentes na Administração, como sendo a igualdade, imparcialidade, proporcionalidade, boa-fé. É que é nestes termos que o tribunal pode condenar a Administração Pública e perante os quais esta tem o dever legal de respeito. É este, por fim o entendimento do art 71 nº2 CPTA.


 

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Procedimentos de segundo grau e impugnações administrativas

Num plano introdutório há que ter em conta a diferença entre reclamação e recurso. A primeira é dirigida ao próprio autor do acto, ao passo que o segundo é dirigido ao superior hierárquico do autor do acto. O órgão que recebe a reclamação designa-se de órgão a quo, já o órgão a qual é dirigido o recurso designa-se de órgão ad quem.

Assim, quanto aos recursos, há que distinguir entre:
- recurso hierárquico
- recurso hierárquico impróprio
- recurso tutelar

Recurso hierárquico:
Dirigido ao superior hierárquico do órgão autor do acto, para que se pronuncie sobre a sua eventual revogação, suspensão ou modificação, tendo em conta o seu poder de supervisão sobre o respectivo subalterno (poder de revogar ou suspender).

Recurso hierárquico impróprio (176º CPA):
Haverá recurso hierárquico impróprio quando um determinado órgão exerce poder de supervisão sobre outro, mas sem que haja qualquer hierarquia entre eles. Tomando como exemplo a situação da delegação não hierárquica (domínio em que não há hierarquia) em contraposto à da delegação hierárquica. Neste último caso verifica-se um cenário de hierarquia, e assim, para recorrer da acção do delegado, seria necessário dirigir esse recurso ao seu superior hierárquico, havendo recurso hierárquico precisamente por existir hierarquia. O artigo 176º/2 restringe o recurso hierárquico impróprio aos casos expressamente indicados na lei.

Recurso tutelar (177º CPA):
Recurso interposto por decisões de um órgão sujeito a tutela ou superintendência. É dirigido ao órgão que exerce essa tutela. Podem ser órgãos de pessoas colectivas diferentes. Nos termos do artigo 177º/2 só há recurso tutelar nos casos expressamente indicados na lei.
Trata-se de um poder tutelar revogatório, pelo qual, havendo uma tutela revogatória, suscita-                                     -se a aplicação do artigo 142º/3. Não pode haver recurso tutelar sem tutela revogatória. Por fim, o artigo 177º/3 acrescenta que o recurso tutelar só pode ter fundamento em inconveniência, caso haja uma tutela de mérito.

Quer o artigo 176º, quer o artigo 177º, remetem para o regime do recurso hierárquico. Por sua vez o regime deste é-lhes aplicado subsidiariamente.

O recurso hierárquico, por sua vez, sofreu modificações através dos efeitos indirectos que a modificação no regime do contencioso provocou.

De acordo com o artigo 167º existem dois tipos de recursos hierárquicos:
- recurso hierárquico facultativo
- recurso hierárquico necessário

Nem todos os actos administrativos podem ser impugnados em tribunal. Só certos actos são atacáveis, pelo qual têm de apresentar certos requisitos.

No regime anterior, só os actos que se apresentassem como definitivos e executórios eram recorríveis. No que se refere à executoriedade, bastava que o acto fosse eficaz, ou seja, produzisse efeitos. Quanto à definitividade, o professor Freitas do Amaral falava de uma tripla definitividade:

- material – acto administrativo que resolvia determinada situação jurídica
- horizontal – acto que terminava o procedimento administrativo
- vertical – acto que proviesse do superior hierárquico máximo

Tudo isto era exigível para que um acto pudesse ser atacado em tribunal, claramente um regime com termos demasiado exigentes.

Recurso hierárquico necessário:
A grande diferença entre o recurso hierárquico necessário e o recurso hierárquico facultativo reside no facto de o primeiro ter efeitos suspensivos. O prazo de interposição do recurso hierárquico necessário é de 30 dias nos termos do artigo 168º/1.

Só com este recurso é que se pode ir a tribunal.

Recurso hierárquico facultativo:
Não tinha efeitos suspensivos, e assim o acto continuava a produzir efeitos. O prazo para a respectiva interposição vem indicado no artigo 168º/2. Ao ser susceptível de recurso contencioso, haveria a opção de se poder recorrer.


Hoje em dia o critério de impugnabilidade mudou, uma vez que se deixou de exigir o critério de definitividade vertical, pelo qual se deve aplicar o artigo 51º/1 CPTA.

De acordo com este artigo são impugnáveis os actos administrativos que produzam efeitos externos, no sentido de poderem lesar particulares (critério de eficácia externa). Alargou-se o leque dos actos administrativos impugnáveis. Assim, mesmo quando seja um acto praticado por subalterno, esse acto poder ser impugnado, desde que produza efeitos externos, e assim já não se torna necessário provir do superior hierárquico máximo.

Há quem entenda que o recurso hierárquico necessário ainda existe quando a lei avulsa assim o exija, ficando reservado para casos especiais. Mas hoje em dia o recurso hierárquico necessário já não existe, já que o critério de definitividade cessou de existir assim como o critério da executoriedade. O recurso hierárquico deixou de ser necessário, e só se aplica em situações em especial.

O CPA ainda regula estas normas, mas tornaram-se inaplicáveis devido às modificações que se deram no regime do contencioso e que tomaram reflexo no CPA.


A (in)definição da impugnabilidade do acto administrativo


A definição de acto administrativo impugnável redunda de diversas disposições legislativas que necessitam de ser compatibilizadas tanto com a doutrina que se divide como na ratio de cada preceito em causa.
Primeiramente, devemos partir da noção base de acto administrativo para a posteriori conseguirmos enquadrar a mesma na sistemática da impugnabilidade. O Art.120ºCPA dispõe que são considerados" actos administrativos as decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta". Ou seja, o acto manifesta-se pela a actividade da Administração Pública numa estatuição autoritária, vinculativa, imperativa e unilateral relativa a uma caso concreto no exercício dos poderes do sujeito da administração estatal (seja ela directa, indirecta ou autónoma), de modo a produzir efeitos jurídicos externos na esfera jurídica do destinatário/particular. Ora, a ideia vertida no Art.51º,52º,54º e n.º4 e 5 do Art.59º do CPTA quando compatibilizada com o artigo referido supra causa algumas dificuldades de interpretação fazendo surgir, assim, duas posições dominantes na nossa doutrina.
Numa visão mais restrita, salienta Vieira de Andrade que o conceito a tomar por acto administrativo vertido no CPA é um "conceito material" que se distancia da noção processual contenciosa do CPTA que se afigura ora mais "vasta",  ora mais "restrita". Pois, o acto administrativo na sua dimensão orgânica é impugnável na sua total amplitude pois não faz referência è entidade que pratica o acto (Art.51º/2CPTA) e restrita quando estão em causa decisões "aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos" (Art.51º/1CPTA). Funcionando, apenas, o Art.120ºCPA como critério de exclusão para os "actos instrumentais", as meras operações materiais e comportamentos da Administração Pública por não terem conteúdo decisório. A posição do mesmo autor parece transparecer uma cisão teórica e prática dos conceitos onde o acto administrativo implicaria uma decisão reguladora que produzisse efeitos externos por uma autoridade dotada de ius imperiu. Ou seja, a decisão enquanto acto de autoridade visa produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta sendo esses efeitos produzidos para lá da margem da unidade orgânica de onde foram emitidos, excluindo também os actos internos que produzem efeitos inter-pessoais.
Contudo, devemos ter em conta que já não é necessário ter a tripla definitividade do acto administrativo, além disso a impugnação ao depender da função e da natureza da acção precipita em dois tipos de acção com motivos exponencialmente distintos que perfilham o subjectivismo ou o objectivismo do contencioso administrativo: a acção de impugnação de um direito de um particular enquanto se relaciona com a administração estando em causa, aqui sim, uma lesão efectiva ou potencial do acto em causa; ou acção de defesa do interesse público em que há eficácia externa do acto em causa.
Mas, fica ressalvada a seguinte ideia, a primeira pode estar na origem de actos que provocaram lesões ou são susceptíveis de o fazer tendo eficácia externa, mas a segunda apenas pode ter como fundamento a eficácia externa e lesar a esfera jurídica de algum administrado. Logo, não será exigível a "eficácia externa" para a acção que espelha a tutela subjectiva respeitante a direitos e interesses dos particulares, sendo este requisito uma necessidade da legalidade objectiva.
Numa outra linha, Aroso de Almeida defende que apenas os actos com eficácia externa são imediatamente impugnáveis por entidades distintas das que emitiram, sendo um requisito inerente da natureza de efeitos e não um atributo inerente ao conceito. Contudo, se defendermos tal posição restringimos o conceito apenas aos actos com efeitos regulatórios, inovatórios, ou seja, constitutivos. Esquecemos, assim, actos inseridos num procedimento que podem ser impugnáveis, um decisão que põe termo ao procedimento, nem um acto praticado por um subalterno como pelo superior hierárquico que nos irá exigir a adopção ainda do recurso hierárquico necessário que se encontra ultrapassada. Além disso, o acto administrativo tanto pode estar presente num diploma legislativo ou regulamentar, mas também pode ser ineficaz. Contraria-se, então, a definitividade material.
Por isso mesmo, se partilharmos de uma noção mais e aberta de acto administrativo bastará ter acto para o impugnar? Parece que não.  
Numa formulação mais ampla, Vasco Pereira da Silva inclui na interpretação do Art.51ºCPTA todos os actos administrativos que em razão da situação possa causar lesão. Ou seja, os actos susceptível de impugnação deve deter um carácter amplo onde compreendem as decisões administrativas produtoras de efeitos, actuações administrativas que lesam direitos dos particulares, actos intermédios, decisões preliminares ou actos de execução. Para o mesmo autor " actos administrativos são todos os que produzam efeitos jurídicos, mas, de entre estes, aqueles cujos efeitos forem susceptíveis de afectar, ou de causar uma lesão a outrem, são contenciosamente impugnáveis". Conclui-se, que para Vasco Pereira da Silva a característica da impugnabilidade passa pela lesão que atribui tal direito ao particular enquanto direito fundamental expresso Art.268º/4 CRP. Além disso, a extensão do conceito de acto administrativo impugnável decorre da capacidade de apreciação dos actos procedimentais («… ainda que inseridos num procedimento administrativo, são impugnáveis os actos administrativos…» Art.51º/1CPTA), onde resulta a importância jurídica autónoma do procedimento e o afastamento da ideia de “definitividade horizontal” como critério da impugnabilidade dos actos administrativos.
Assim, na perspectiva de Vasco Pereira da Silva, poderão ser impugnados para além dos actos decisórios os actos intermédios lesivos dos particulares (exemplo disso são: actos de procedimento, actuações internas e externas e actuações marcadamente materiais).
Concluindo, na minha opinião, a lesividade do acto deve estar presente no efeito que pode provocar ou que provocou o acto. É esta lesividade que distingue o acto administrativo substantivo espelhado no CPA do acto impugnável contenciosamente, porque o Art.120ºCPA verte, na minha opinião, a definição do acto em si, o que é um acto material na sua pura abstracção ao trespassarmos para o CPTA falamos de um especifico acto que causou ou que vai causar danos na esfera jurídica de um particular que não poderá deixar de ter o poder de se defender impugnando-o. Contudo, a definição dada pelo CPA, e partilhada por Vasco Pereira da Silva, é extremamente lata abrangendo todo o tipo de actos desde parciais a provisórios, definitivos a prévios, procedimentais a não procedimentais, externos a internos, levando a concluir no extremo da questão: então todo o acto é impugnável, basta existir um acto para haver impugnação? Ou o acto em causa naquela situação deve ser lesivo? E deve ser especialmente lesivo? E os que não são? Só são impugnáveis se tiverem eficácia externa?
Devemos separar os conceitos, um conceito é vertido no CPA, um conceito material e substantivo e outro é o conceito que parte do substantivo e que se autonomiza a nível procedimental (praticado dentro do procedimento e susceptível de impugnar-se) ou processual (enquanto pressuposto para existir uma impugnação) na acção administrativa especial. Um tem base no outro, mas o CPA ressalva no seu Art.120º "Para os efeitos da presente lei..", ou seja, pode haver outras amplitudes mais ou menos restritivas e autonomizáveis do que é um acto administrativo sendo ele impugnável ou não. Deve-se partir, então, do conceito do Art.120º CPA, mas este deve ser consequentemente autónomo em latitude de aplicação orgânica e na sua particular distinção da possibilidade de lesão ou lesão efectiva que causou.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

IMPUGNAÇÃO DE NORMAS REGULAMENTARES

  1. Noção de norma impugnável
O conceito de norma impugnável deverá ser entendido em sentido amplo, incluindo, deste modo, todas as disposições de direito administrativo de carácter geral e abstracto, que visem a produção de efeitos permanentes numa relação intersubjectiva, onde cabem os planos, os estatutos, regimentos de órgãos colegiais, documentos pré-contratuais[1].

  1. Noção de Regulamento
É também conveniente recordar o conceito de ‘regulamentos administrativos’, correspondendo às normas jurídicas emanadas no exercício do poder administrativo por um órgão da Administração ou por uma entidade pública ou privada para tal habilitada por lei[2].
O Professor Vieira de Andrade refere que os regulamentos consituem ‘o nível inferior do ordenamento jurídico adiministrativo’[3], concluindo-se, então, que os regulamentos são uma fonte secundária de Direito Administrativo.
Do ponto de vista material, o regulamento administrativo constitui uma norma jurídica. Tem como características a generalidade, pois dirige-se a uma pluralidade de destinatários e a abstracção, na medida em que se aplica a uma ou mais situações definidas pelos elementos típicos que constam da previsão normativa.

  1. Breve referência contextualizadora
O direito a impugnar normas adiministrativas com eficácia externa que lesem os direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos encontra consagração constitucional no art. 268.º, n.º 5 da CRP, desde a revisão de 1997. O Professor Vasco Pereira da Silva refere a necessidade de se criarem mecanismos processuais que tornem possível o controlo dos regulamentos e a protecção dos direitos dos indivíduos, sendo um corolário necessário da proliferação de normas jurídicas emanadas de órgãos administrativos.
Há ainda que elencar as diferenças entre a impugnação de regulamentos antes da reforma e depois da reforma.
Antes da reforma existiam três modos para se reagir contenciosamente contra os regulamentos administrativos:
(1)    Via incidental – era levada a cabo a apreciação indirecta do regulamento, configurando um incidente da questão principal, pretendia-se o recurso directo de anulação de um acto administrativo cuja ilegalidade derivava da aplicação de um regulamento inválido. Consequentemente, dava-se a anulação do acto administrativo e a não aplicação do regulamento ao caso concreto;
(2)    Um meio processual genérico – declaração de ilegalidade de normas administrativas, meio adequado para reagir contra qualquer norma regulamentar;
(3)    Um meio processual especial – a impugnação de normas.

As principais orientações do novo regime são diferentes, consistindo:
(1)             Na uniformização do regime jurídico do contencioso regulamentar;
(2)             Estabelecimento de um regime uniforme no que respeita à legitimidade.


4.  Modalidades
     Nos arts. 72.º e 73.º do CPTA são admitidos, embora não expressamente, dois tipos de pedidos:
(a)    O pedido de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral;
(b)   E, pedido de declaração de ilegalidade num caso concreto.
            

5.  Pressupostos processuais
             Quanto à legitimidade no que respeita à declaração com força obrigatória geral esta só poderá ser pedida pelos particulares interessados depois de a norma ter sido desaplicada em três casos concretos, porém, assim não será caso o pedido seja elaborado pelo Ministério Público, oficiosamente ou a requerimento das entidades legitimadas para a acção popular. Já se o Ministério Público tiver conhecimento da desaplicação em três casos tem o dever de propor a acção (art. 73.º, n.º 4 CPTA).
             Quanto  à declaração de ilegalidade da norma com efeito restrito ao caso concreto (desaplicação da norma) poderá ser pedida pelo lesado ou pelos titulares da acção popular quando a norma produza os seus efeitos imediatamente, sem depender de um acto administrativo ou judicial de aplicação, não sendo necessária a prévia desaplicação em três casos (art. 73.º, n.º 2 CPTA).
A legitimidade pertence, então, aos titulares de posições jurídicas subjectivas, aos actores públicos e aos actores populares.
Quanto à procedibilidade o processo é diferente, dependendo de quem é o autor da acção: no que respeita à acção para defesa de interesses próprios ou acção popular exige-se que tenham existido três sentenças de desaplicação no caso concreto ou que se trate de regulamento imediatamente exequível;  quanto à acção pública são impugnáveis todos os regulamentos, exequíveis ou não por si mesmos, tendo ou não existido prévia decisão judicial de não aplicação em três casos concretos.
O interesse não terá de ser actual, pondendo ser futuro, devido à referência: “possa vir a ser previsivelmente prejudicado”, já não é, então, necessário o carácter directo do interesse.
A oportunidade do pedido de impugnação não está sujeita a prazo, podendo ser pedida a todo o tempo (art. 74.º).

  1. Algumas críticas do Professor Vasco Pereira da Silva
No que respeita às novidades trazidas pela Reforma o Professor suscita várias questões. Começando pela contraposição existente: entre particular e actor popular e entre actor público, no que se refere às condições de que depende a impugnação de regulamentos, que o Professor caracteriza como sendo “algo estranha”. Na medida em que a mesma torna o Ministério Público o principal responsável pela impugnação de normas jurídicas, condicionando a intervenção do actor popular e do particular, regra geral, à existência de três casos concretos de não aplicação e, também, a uma situação especial, quando se trate de norma exequível por si mesmas, possuindo a sentença alcance limitado. A crítica que o Professor faz baseia-se no facto de não compreender o porque do tratamento não igualitário da possibilidade de intervenção do actor público e do actor privado, face ao maior alcance de intervenção do Ministério Público, porque ambos actuam no sentido de defesa da legalidade e do interesse público.
O Professor “estranha”, também, o “tratamento desfavorável” do particular no contencioso de impugnação de normas jurídicas, sendo o mesmo mais desfavorável do que aquele que existia antes da Reforma.
Por fim, o Professor refere a criação de uma nova categoria de sentença de declaração de ilegalidade concreta de normas jurídicas gerais e/ou abstractas (art.73.º, n.º 2 CPA), a concretização legislativa não é adequada, porque parece que confunde a apreciação incidental com a principal e a desaplicação com declaração dotada de eficácia genérica. O único sentido útil a retirar da norma é que estamos perante uma declaração de ilegalidade sui generis, produzindo efeitos idênticos aos da não aplicação da norma.


[1] VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos, A Justiça Administrativa (Lições), pág. 234, nota 484, 6.ª edição, Almedina, 2004.
[2] FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, pág. 151 e 152, 8.ª edição, Setembro, 2008.
[3] VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos, O Ordenamento Jurídico Administrativo.

Comentário crítico

«(…) A reforma estabeleceu um modelo subjectivista, consagrando o processo administrativo como um processo de partes e alargando os poderes de cognição do juiz perante a Administração. São no entanto visíveis os momentos objectivistas do regime, seja no que respeita à legitimidade activa (…), seja quanto à previsão de litígios inter-administrativos (…), seja nos significativos poderes que continuam a reconhecer-se ao Ministério Público como auxiliar de justiça (…), seja ainda em outros aspectos específicos, como o conhecimento oficioso pelo juiz das ilegalidades do acto administrativo impugnado.» (Viera de Andrade)

A questão da natureza do contencioso administrativo de anulação remonta aos primórdios do controlo da actividade administrativa pelo Conselho de Estado e a sua distinção baseia-se no carácter da decisão tomada pelo juiz.
A opção por um sistema de controlo administrativo do tipo objectivo ou subjectivo não pode deixar de ter consequências no que concerne ao modo de entender os diversos institutos de contencioso. Nas palavras de KREBBS “ a protecção jurídica subjectiva e o controlo jurídico objectivo designam funções diferenciadas de um controlo jurídico da actividade estadual”

Características e linhas gerais:

1) Função do contencioso
-Contencioso objectivo: tem como fim a garantia da legalidade e da prossecução do interesse público. O recurso de anulação não serve para a defesa dos direitos subjectivos dos particulares, é antes uma forma de auto-controlo da própria Administração, na qual os particulares são chamados a colaborar
-Contencioso subjectivista: o objectivo principal é a tutela dos direitos subjectivos dos particulares nas suas relações com as entidades administrativas (v. arts. 268.º nº3 e 20.º nº2 da CRP; art. 3.º E.T.A.F) (e reflexamente também a tutela da legalidade)


2) Entidade controladora
- Contencioso objectivo: Não exige um juiz pessoal e materialmente independente. Tendo uma função de defesa da legalidade, o contencioso administrativo enxerta-se na actividade administrativa de que é a continuação (“julgar a administração é ainda administrar”)
A entidade controladora tanto pode ser um órgão da Administração activa como uma entidade administrativa jurisdicionalizada. A ligação à Administração da entidade fiscalizadora é considerada desejável, como forma de assegurar uma maior eficácia das suas decisões e também porque se parte do princípio de que o juiz não pode dar ordens à Administração.
- Contencioso subjectivista: implica que o controlo da actividade administrativa seja feito por uma entidade jurisdicional independente do poder administrativo.
A entidade controladora é chamada a decidir um litígio entre um particular e a Administração, originado por um acto administrativo ilegal que lesou um direito subjectivo de um particular. Recorre-se a um juiz independente e imparcial, uma vez que um sistema de contencioso subjectivo implica a diferenciação material, formal e orgânica entre Administração e Justiça, exige que os tribunais administrativos sejam verdadeiros tribunais, integrados no poder judicial. (v. art. 212.º nº2 CRP; arts. 1.º e ss E.T.A.F)


3) Posição do particular
-Contencioso objectivo: o particular não é considerado uma parte substantiva. O indivíduo não é visto como defendendo no processo uma situação jurídica individual, mas como um colaborador da Administração na realização do interesse público. Não é o processo de anulação que se encontra ao serviço do particular para a defesa dos seus direitos, mas o particular que está ao serviço do processo, a fim de cooperar na realização da legalidade administrativa.
-Contencioso subjectivista: tem como objectivo principal a defesa dos direitos dos indivíduos nas suas relações com a Administração Pública. Os cidadãos são considerados como titulares de direitos subjectivos nas relações jurídicas administrativas e é-lhes atribuída a possibilidade de ir a tribunal defender esses direitos. (art. 266.º nº1; art. 268.º nº 3 CRP; art. 3.º E.T.A.F)
É o recurso de anulação que existe para defesa das posições jurídicas substantivas dos particulares e não os indivíduos que estão ao serviço da Administração no processo.


4) Posição da Administração
- Contencioso objectivo: A posição da Administração não é de parte mas de autoridade recorrida.
A Administração, como autoridade que pratica um acto que definiu autoritariamente a situação dos particulares, é chamada a colaborar com uma autoridade superior, com poderes de revisão dos seus actos, a fim de que esta verifique a validade ou invalidade destes.
O tribunal e a Administração encontram-se imanados no seu objectivo comum de servir a actividade administrativa. A Administração não é parte em sentido material, porque o seu interesse, tal como o do juiz, é o da defesa da legalidade e do interesse público.
- Contencioso subjectivo: Tanto o particular como a Administração são partes que, perante um juiz, defendem as suas posições; num caso, a afirmação da lesão de um direito, no outro, a defesa de uma determinada interpretação da legalidade e do interesse público, que foi concretizada através de um acto administrativo.


5) Objecto do processo
- Contencioso objectivo: É o exercício do poder administrativo que constitui o objecto do processo. O pedido no recurso é o da anulação de um acto (ou a sua declaração de nulidade ou inexistência). O que está em causa no processo é, sem mais, a questão da validade ou invalidade de um acto administrativo, pelo que ele deve ser fiscalizado à luz de todas as normas administrativas aplicáveis.
-Contencioso subjectivo: O objecto do processo é o direito substantivo afirmado pelo particular como lesado por um acto administrativo.
O pedido de anulação de um acto (pedido imediato) é, assim, visto como um meio de tutela de um direito subjectivo lesado do indivíduo (pedido mediato).


6) Poderes do juiz
-Contencioso objectivo: Os poderes do juiz limitam-se à anulação (ou declaração de nulidade ou de inexistência) de um acto administrativo. Não pode o juiz condenar a Administração nem dirigir-lhe ordens de qualquer espécie, pois o que está em causa não é um comportamento da Administração mas um acto administrativo apreciado independentemente do seu autor.
- Contencioso subjectivista: Aqui o que está em causa não é apenas, o acto administrativo, mas a relação existente entre o particular e a Administração, apreciada a propósito de um acto que o particular alega ter lesado o seu direito subjectivo. O que a sentença vai decidir é da existência ou não de um direito subjectivo lesado do demandante.
Esse reconhecimento de um direito do particular tanto pode dar origem a uma sentença de simples apreciação, como uma sentença de anulação ou de condenação, porém os efeitos da decisão jurisdicional não se esgotam na anulação do acto, mas condicionam a actividade futura da Administração e obrigam à satisfação do direito do particular reconhecido pelo juiz.


7) O caso julgado
-Contencioso objectivo: os limites materiais do caso julgado incidem sobre tudo aquilo que tiver a ser apreciado no processo. O caso julgado forma-se sobre a questão da validade ou invalidade de um acto, determinando de forma imodificável, o seu afastamento da ordem jurídica ou a sua confirmação (eficácia erga omnes).
O desaparecimento de um acto administrativo deve valer face a todos os indivíduos e não, apenas, relativamente àqueles que interpuseram o recurso.
-Contencioso subjectivista: Neste sistema, sendo a causa do pedir a invalidade do acto na sua relação com os direitos dos particulares, os limites materiais do caso julgado apenas abrangem as questões acerca da invalidade do acto administrativo suscitadas pelas partes e não pode produzir efeitos em relação àqueles que não participaram. (art. 20.º nº2 CRP)


8) A execução de sentenças
-Contencioso objectivo: A execução de sentenças é da responsabilidade da Administração, que as deve cumprir voluntariamente, sem que haja meio de lhe impor uma execução coactiva.
-Contencioso subjectivista: A Administração tem o dever legal de cumprir o que foi determinado pelo juiz e, em caso de recusa, o particular pode servir-se de um processo jurisdicionalizado de execução de sentenças. Através de um processo executivo especial pode a Administração ser condenada à prática de determinadas condutas para o cumprimento das sentenças, bem como podem os órgãos ou agentes administrativos faltosos vir a ser alvo de responsabilidade penal pelo seu incumprimento. (v. arts. 933.º ss C.P.C)


9) Âmbito do controlo
-Contencioso objectivo: existe um amplo controlo de todos os critérios jurídicos de decisão, pois o fundamento do controlo é a defesa da legalidade.
-Contencioso subjectivo: Âmbito de controlo forçosamente mais limitado. Só são controladas as actuações administrativas, na medida em que forem lesivas dos direitos dos particulares.




Situação actual:

Desde 1974 que se verifica o reforço da função subjectivista do Contencioso Administrativo (v. supra)., sem prejuízo da conservação de uma paralela função objectivista.

O art. 268º. CRP consagra um sistema de contencioso administrativo do tipo subjectivo, superando-se assim os limites do contencioso de mera legalidade, para se avançar na protecção dos direitos subjectivos e interesses legítimos dos particulares.
Entende a doutrina que se deve proceder à divisão do preceito em duas partes. Numa primeira parte prevê-se o recurso de anulação, concebido como um direito fundamental (art. 17º. CRP).
Na segunda parte prevê-se ainda a possibilidade de este meio jurisdicional ser complementado por outros (v. L.E.P.T.A, arts. 90º. e ss.)

O reforço da função subjectivista a partir de 1974 teve por centro dinamizador a garantia da tutela jurisdicional efectiva, tal como afirmada na Constituição. Nos nºs 4 e 5 do art.268.º, os direitos e interesses legalmente protegidos dos sujeitos de direito em relação jurídica com a Administração constituem objecto de uma garantia de tutela jurisdicional dotada de efectividade, a qual deverá estender-se a todos os litígios que os envolvam, sem qualquer exclusão quanto às fontes destas situações subjectivas, às causas do diferendo ou aos tipos de pronúncia jurisdicional adequada à prevenção ou eliminação da ofensa.
No nº 5 do art. 20.º a Constituição perspectiva um exercício da função jurisdicional administrativa primariamente dirigido à protecção de situações jurídicas subjectivas em parceiros relacionais da Administração. Este posicionamento da Constituição não equivale à imposição de um “sistema subjectivista puro”, baseado na tutela directa de situações jurídicas subjectivadas, mas embarga um Contencioso Administrativo primariamente centrado numa meta de reposição da legalidade objectiva, isto é, numa finalidade primária de remoção do ordenamento de todos aqueles comandos administrativos, genéricos ou concretos, que se mostrem incompatíveis com as normas jurídicas de eficácia superior.

A par da função subjectivista, o Contencioso Administrativo manteve uma paralela função objectivista, ou seja, uma função de asseguramento da congruência jurídico-administrativo segundo nexos de validação dos actos de exercício do poder público por parte da Administração.
Essa finalidade objectivista decorre desde logo de um imperativo constitucional: nos termos do art. 202.º nº2 da C.R.P, na administração da justiça incumbe aos tribunais não apenas a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos e dirimir conflitos de interesses públicos e privados, mas também, reprimir a violação da legalidade democrática.
No nosso sistema constitucional, a legalidade desempenha ela própria uma função garantística. Mas, a par de uma ideia de legalidade subjectiva, assente no imperativo de protecção da esfera individual através da necessária prévia definição das condutas administrativas de que depende o destino pessoal dos cidadãos, há também uma legalidade objectiva. Esta última sublinha a necessidade da existência e da observância de um quadro normativo da acção administrativa como uma determinante sistemática, isto é, independentemente de saber se tais actuações ofendem direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares.
No Estado de Direito, o primeiro e óbvio fundamento da legalidade objectivista é o princípio democrático, a cuja luz a legalidade é assumida como instrumento de direcção da administração por parte de órgãos legislativos directa ou indirectamente legitimados pelo sufrágio popular. Mas também o princípio constitucional da prossecução do interesse público depende da definição geral e abstracta das competências, ou seja, da previsão normativa de todos os actos administrativos.
Sob pena de ausência de efectividade, a legalidade objectiva não pode ver-se confinada a norma de conduta administrativa: tem de se desdobrar também na função de factor de mensurabilidade, que deve caber em última análise aos tribunais. (art. 202.º nº2; 203.º e 205.º nºs 2 e 3 C.R.P)
A própria Constituição relaciona com a vertente objectivista do exercício da função jurisdicional do Estado uma das atribuições do Ministério Público, ou seja, a defesa da legalidade democrática (art. 219.º nº1 CRP). O art. 9.º nº2 e 55.º nº2 do C.P.T.A repete a afirmação da competência do M.P para defender a legalidade e promover “ a realização do interesse público”.
O Art.55º/1 – a)CPTA, em sede de legitimidade na acção administrativa especial por impugnação de actos administrativos, é encarada como uma norma do tal compromisso entre modelos, uma vez que elenca como critério de aferição daquele pressuposto processual a lesão pelo acto nos direitos ou interesses legalmente protegidos do particular, o que aponta para a subjectivização mencionada anteriormente. No entanto fá-lo apenas como critério exemplar, uma vez que a legitimidade se encontra preenchida porquanto se verifiquem o interesse directo e pessoal, elementos que se afastam já da necessidade de uma posição subjectiva normativamente protegida, mas que apenas exigem que o particular possa retirar directamente da impugnação do acto um benefício específico para a sua esfera jurídica, mesmo não invocando a titularidade de uma posição jurídica subjectiva lesada.
Outra norma onde se afere o compromisso identificado anteriormente é o Art.51º/1CPTA onde o pressuposto de impugnabilidade do acto é pensável quer para aqueles actos que lesem direitos ou interesses legalmente protegidos, enquanto critério mais uma vez exemplificativo consonante com o Art.268º/4CRP, mas mais genericamente para todos os actos com eficácia externa. Daqui se depreende que os actos susceptíveis de impugnação são aqueles que ofendam pura e simplesmente a legalidade objectiva e que podem ser impugnados pelas entidades referidas no Art.55º/1- b), c) e d) e e).
Saindo dos pressupostos processuais encontram-se mais normas que apontam para momentos de objectividade no nosso sistema processual. Uma delas é o Art.85º/2CPTA em pura sede de tramitação da acção especial administrativa, que permite a intervenção do Ministério Público para ”pronunciar-se sobre o mérito da causa, em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no nº2 do Art.9º”. Ora aqui se encontra patente a preocupação que o nosso legislador mantém na tutela do interesse público e de posições que podem ou não coincidir com aquelas que são requeridas pelos particulares.
E por fim, o Art.45ºCPTA introduz-nos a questão da modificação objectiva da instância que pode, se o juiz considerar que há um prejuízo excepcional para o interesse público decorrente do deferimento da pretensão do autor, conduzir a uma sentença de improcedência do pedido, sendo substituída por uma solução consertada entre as partes. Ora mais uma vez se denota aqui a prevalência do interesse público sobre a tutela dos particulares, característica do modelo objectivista.



VASCO PEREIRA DA SILVA, Para um contencioso administrativo dos particulares, Almedina, 1989, Lisboa
SÉRVULO CORREIA, Direito do Contencioso Administrativo I, Lex, 2005, Lisboa