quarta-feira, 25 de maio de 2011

Comentário a uma frase 2

“Admitir que um tribunal condene a Administração seria a violação do princípio da separação de poderes.”

O princípio da separação de poderes, tal como existe no enquadramento jurídico europeu, desde a Revolução Francesa de 1789, define o acto de administrar como a execução das normas legais estabelecidas, enquanto a actividade jurisdicional administrativa caracteriza-se como a protecção da esfera jurídica subjectiva dos cidadãos, consagrando-se, dessa forma, a separação entre a administração e a justiça.
            Actualmente, no artigo 3.º, n.º 1, do CPTA, encontra-se expresso o princípio de que os tribunais não podem decidir causas em termos da sua conveniência ou oportunidade. É de referir, também, que apesar de existir esta limitação de decisão por parte dos tribunais, não significa que os mesmos possam escolher as causas que decidem, até porque no artigo 12.º do CPA encontra-se expresso o princípio do acesso à justiça, que garante que os particulares possam mandar fiscalizar as actuações da administração.
            A grande questão referente a esta matéria, prende-se com a possibilidade existente no CPA do indeferimento tácito que, na nossa opinião, não é mais do que uma forma de defender a administração através do silêncio. No entanto, este silêncio viola várias normas, nomeadamente, o princípio da decisão existente no artigo 9.º do CPA.
            Segundo maior parte da doutrina, existe uma revogação tácita do artigo 109.º do CPA, pelo artigo 66.º e seguintes do CPTA, que estipulam a possibilidade de o tribunal obrigar a administração à prática do acto devido. Segundo o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, esta situação só ocorre quando se trata de uma decisão sem qualquer tipo de discricionariedade por parte da administração. O Prof. confirma esta posição, enquadrando no seu raciocínio o já citado artigo 3.º do CPTA.
            Sempre que haja um espaço de discricionariedade da decisão, então o tribunal pode apenas condenar a administração a decidir, de acordo com o princípio da decisão, não podendo tomar o seu lugar nesse âmbito.
            Nos dias de hoje, os tribunais podem condenar a administração à prática de actos. No entanto, não se enquadra aqui nenhuma violação do princípio da separação de poderes, tendo em vista que a decisão do tribunal seria a única possível de forma a garantir o respeito pelo bloco de legalidade, e dessa forma o princípio instituidor do Direito Administrativo, a saber, o princípio da legalidade, em sentido estrito.

Joana Abrantes, n.º 17349

Comentário a uma frase 1

“O Código do Procedimento Administrativo afasta inequívoca e definitivamente a “necessidade” de recurso hierárquico como pressuposto de impugnação contenciosa dos actos administrativos” (Vasco Pereira da Silva)

            Ao se consubstanciar no artigo 12.º do CPA o acesso à justiça por parte dos particulares, e tendo em atenção o enquadramento constitucional do artigo 268.º, n.º 4, todo e qualquer particular tem o direito de recorrer à justiça sempre que entender que alguma posição sua se encontre violada.
            Dessa forma, o recurso hierárquico necessário seria, na nossa opinião, uma norma viciada de inconstitucionalidade material, tal como refere o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa no seu manual de Direito Administrativo II.
            O recurso hierárquico define-se como sendo uma garantia dos particulares para reagirem de uma decisão da administração, no âmbito da própria administração, tal como se encontra estipulado no artigo 106.º do CPA.
            Actualmente, fazendo uma interpretação sistemática do próprio regime jurídico, o recurso hierárquico só pode ser facultativo, e as críticas que se fazem a esta tese, prendem-se com a acumulação de impugnações nos tribunais. Apesar disso, esta crítica não vinga, tendo em vista o facto de que o objectivo de eficiência da administração cede perante o direito fundamental de acesso à justiça por parte dos particulares.
            Como se esta referência constitucional não fosse suficiente, o próprio CPTA, no seu artigo 51.º, n.º 1, refere que são impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa. Dessa forma, qualquer decisão pode ser impugnada dentro dos respectivos prazos, não se colocando sequer a hipótese de ter que se aguardar pelos trâmites processuais existentes no eventual recurso hierárquico necessário, mesmo existindo, neste caso, a interrupção da contagem dos prazos.
            Estamos perante uma norma que, na nossa opinião, devia de ser revogada, tendo em vista a sua total e completa inaplicabilidade.

Joana Abrantes, n.º 17349

ÓNUS DA PROVA E PRESUNÇÃO DE LEGALIDADE DOS ACTOS ADMINISTRATIVOS. A QUEDA DO MITO

ÓNUS DA PROVA E PRESUNÇÃO DE LEGALIDADE DOS ACTOS ADMINISTRATIVOS. A QUEDA DO MITO
Hoje, o CPTA ao consagrar, no art. 6°, um princípio da igualdade das partes, vem de forma decisiva afastar um do temas mais controverso do Direito Administrativo, a alegada presunção de validade dos actos administrativos, no âmbito do processo judicial, que de resto embora fosse defendida por grande parte da doutrina e jurisprudência não tinha consagração legal. Não era uma presunção legal, mas antes um simples princípio
Já antes do CPTA, o art. 200º, da Constituição quando referia um processo equitativo, não podia deixar de ser entendido como a imposição de igualdade entre as partes processuais: O que implica, por seu turno, que todas as diferenças de estatuto das partes, devem ser adequadas ao critério diferenciador — por exemplo: o prazo para responder à reconvenção deve ser igual ao prazo para contestar; se é lícito corrigir a petição inicial, deve ser lícito corrigir a reconvenção
Invocar a presunção de legalidade dos actos administrativos porque eles eram exequíveis, era recorrer a urna falsa fundamentação. Como é sabido as presunções podem ser legais ou judiciais (art.os 350 e 351° do C. Civil), sendo que em ambos os géneros são ilações” retiradas a partir de um facto conhecido.
Ora, a presunção de legalidade dos actos administrativos não tinha na sua base um facto, mas sim um acto administrativo e permitia concluir que esse acto era, em princípio válido. Funcionava como presunção júris tantum apenas quanto aos pressupostos de facto do acto. que, por via da aludida presunção de legalidade, se presumiam verdadeiros.
A existência da presunção/principio de legalidade dos actos administrativos tinha o condão de fazer reverter sempre contra o particular o risco da falta de prova de um facto.
Contudo, e muito embora tenha feito escola durante várias décadas a tese da presunção da validade dos actos administrativos não e hoje maioritariamente aceite conforme se pode ler, a titulo de explo nos seguintes estudos: “Algumas notas sobre a chamada presunção de legalidade dos actos administrativos” in “ Estudos de Homenagem ao Professor Doutor Pedro Soares Martinez”, do Dr. Rui Machete; “Novas Perspectivas para o contencioso administrativo” do Prof Mário Aroso, , pág. 551 e 55; “ Justiça Administrativa. Lições. 2 cd. Pág. 268/271Prof VIEIRA DE ANDRADE,.
Se atentarmos. porém, na grande maioria dos casos em que a jurisprudência apela à presunção de legalidade dos actos administrativos, chegamos à conclusão que a invocação da presunção de legalidade, tem exactamente a mesma consequência que a aplicação das regras gerais do ónus da prova.
Numa visão em que o Direito tem como desiderato essencial, a par com a justiça e segurança, a igualdade na asserção: tratar igual o que é igual e diferente o que é diferente, na devida proporção, a repartição do ónus da prova tem eu ser conforme este principio.
Não obstante haver alguma diferenças no tratamento da Administração Pública e dos particulares no processo administrativo. Estas diferenças têm de ser, no entanto, explicáveis pela prossecução do interesse público — pois é, e só essa pode ser a medida da diferença.
Uma teoria geral do processo judicial nos Tribunais Administrativos deve ter como objecto as diferenças entre os sujeitos da relação jurídica de Direito Publico, sendo a “medida da diferença” a justificação de um regime diverso do processo civil nos Tribunais Judiciais. O que não pode haver, sob pena de desvirtuar a própria actividade jurisdicional é um tratamento privilegiado da Administração quanto à repartição do ónus da prova — pois tornaria a resolução da controvérsia com dois pesos e duas medidas.
Uma concepção do Direito Público, que preserva a igualdade como princípio essencial de expressão do “justo” implica a aplicação ao Direito Púbico das regras estabelecidas para o Direito Civil. Não é por o direito ser público ou privado que o ónus da prova justifica uma desigualdade. Ou seja o carácter público ou privado não é diferença relevante para sustentar uma “medida” de desigualdade no tratamento do ónus da prova.
O CPA ao referir-se ao ónus da prova contém uma regra consagrando ao fim e ao cabo esta asserção. Na verdade, não obstante o art. 88°, 1 do CPA dizer que “cabe aos interessados provar os factos que tenham alegado”, tal significa, como refere ESTEVES DE OLIVEIRA e outros (CPA anotado, pág. 423) que a “haver aqui um ónus de prova, ele recai sobre o interessado a quem aproveitam (não sobre os que tenha alegado), como aliás acontece no processo judicial”. em caso de dúvida, o ónus da prova incumbirá à parte a quem aprova do facto aproveita.
Sendo assim aplica-se ao Direito Administrativo a regar consagrada no art. 516° “À dúvida sobre a realidade de uni fricto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem aproveita”
O art. 516º, faz depender, em última instância, a relevância jurídica da prova de um facto empírico, da sua prova por aquele a quem essa prova aproveita.. A regra assim recortada, ao eleger como diferença para repartir o ónus da prova o beneficio que esse facto representa, é uma regra de igualdade. Na verdade aceita-se em geral que quem pretende beneficiar de um facto empírico (de realidade duvidosa) tenha um tratamento diferente daquele a que sofre se esse facto tiver ocorrido.
Não querendo entrar em concreto na vasta e complexa matéria da repartição do ónus da prova, retém-se porém a ideia ónus da prova dependeria assim da relação jurídica material concretamente estabelecida e da posição que cada um aí tivesse, quer a relação fosse de direito púbico, quer fosse de direito privado: quem se arrogasse de um direito, ficaria com o ónus da prova regulado, em termos iguais no direito público e no direito privado. É que, em Direito Público e mais especificamente em matéria de repartição do ónus da prova, não há ter um tratamento diferenciado do regime privado. Só devemos tratar desigual o que é desigual.

A Aceitação do Acto Administrativo

A figura da aceitação do acto administrativo vem prevista no art. 56.º do CPTA que nos diz que “não pode impugnar um acto administrativo quem o tenha aceitado, expressa ou tacitamente, depois de praticado”, sendo que o nº2 diz-nos ainda que a aceitação tácita “deriva da prática, espontânea e sem reserva, de facto incompatível com a vontade de impugnar”.
Podemos, assim, afirmar que a aceitação do acto administrativo traduz-se numa manifestação de vontade positiva, expressa ou tácita (art. 56.º, n.º 2 CPTA e art. 217.º, n.º 1 CC), de concordância com o conteúdo de um acto administrativo anulável, por parte do seu destinatário, tendo como efeitos a preclusão do direito de impugnação graciosa e contenciosa do mesmo (arts. 53.º, nº4 CPA e 56.º CPTA, respectivamente). Para alguma doutrina, pode ainda apresentar-se como uma renúncia à posição substantiva subjacente ao conteúdo desfavorável do acto em questão.
Assim sendo, não são passíveis de aceitação os actos nulos, pois nestes não há uma verdadeira decisão de autoridade da Administração merecedora de uma tutela acrescida por parte da ordem jurídica.
A aceitação do acto distingue-se da renúncia ao direito de recurso, na medida neste caso estamos perante uma manifestação de vontade de conteúdo negativo dirigida ao não exercício, em concreto, do direito de impugnar com efeitos meramente processuais.
Também o podemos diferenciar do mero decurso do prazo de impugnação (art. 58.º, n.º2, al. b) CPTA), pois este não apresenta qualquer manifestação de vontade, podendo resultar do mero desleixo do particular, não traduzindo, portanto, uma conformação como o conteúdo do acto e consequente renúncia a uma posição substantiva.

É controvertido na doutrina qual a efectiva natureza jurídica desta figura. Ora, neste âmbito, é costume desdobrar-se a questão em duas: primeiro, temos que verificar se estamos perante um negócio jurídico ou um mero acto jurídico; segundo, averiguar se é um caso de ilegitimidade, falta de interesse em agir ou de um pressuposto processual autónomo.
Encontra-se hoje abandonada a posição do Prof. Marcello Caetano, segundo a qual a aceitação do acto (anulável) constituiria um reconhecimento da sua validade, tendo como efeito a sua convalidação, à semelhança do que se passa no Direito Privado (pois a legalidade das decisões administrativas releva do interesse público). Só assim se pode explicar que o MP possa vir impugnar o acto aceite pelo particular em defesa da legalidade objectiva nos termos dos arts. 56.º, n.º 1, a contrario, 55.º, n.º 1, al. b) e 62.º, n.º 1, CPTA.
No âmbito da primeira questão colocada, o Prof. Rui Machete defende que a aceitação do acto constitui “um acto de disposição de uma situação subjectiva que esteja na titularidade do particular”, mais concretamente, um “negócio jurídico unilateral de direito substantivo”.
Por sua vez, para o Prof. Vieira de Andrade, a aceitação do acto tem a natureza de um acto jurídico. Já quanto à segunda questão, este Professor diz que se trata de um pressuposto processual autónomo.
Por outro lado, o Prof. Rui Machete considera tratar-se de um requisito negativo de legitimidade activa. Ora, a favor desta tese pode apontar-se a própria epígrafe do preceito “Legitimidade”. Todavia, este argumento literal é, como se sabe, insuficiente, pois a epígrafe não vincula o intérprete nem tem o legislador uma tarefa classificatória.
Assim, tal como o Prof. Vasco Pereira da Silva, entendemos que a aceitação do acto está ligada ao interesse em agir. Ora, traduzindo-se a aceitação do acto no acatamento dos seus efeitos desfavoráveis e, portanto, na renúncia aos efeitos favoráveis do acto legalmente devido, a impugnação não teria qualquer utilidade porque o direito ao acto favorável se extinguiu na esfera do particular, nada havendo a salvaguardar através da anulação do acto aceite.

O efeito preclusivo derivado da aceitação do acto administrativo constitui uma restrição ao direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva (arts. 20.º, n.º 1 e 268.º, n.º 4 CRP), que é um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias (art.º 17.º CRP), pelo que a doutrina e jurisprudência tem salientado a necessidade de recorrer aos princípios próprios da interpretação dos direitos, liberdades e garantias, nomeadamente ao princípio in dubio pro libertatis, que impõe uma interpretação restritiva das restrições.
Deste modo, têm sido concebidos vários requisitos da aceitação, não expressamente previstos no art. 56.º CPTA, de forma a limitar ao mínimo a compressão do direito fundamental em questão.
Esses requisitos têm-se revelado particularmente importantes no que toca à aceitação tácita (art. 56.º, n.º 2 CPTA) e à concretização daquilo que deve ser tido como «facto incompatível com a vontade de impugnar».
Assim, em primeiro lugar, a aceitação terá de ser espontânea, requisito inferido do art. 56.º, n.º 3 CPTA, pelo que os actos praticados no âmbito do dever de obediência não valem, em regra, como aceitação, por não serem espontâneos.
Exige-se ainda que a vontade de aceitar seja livre e esclarecida, não relevando a declaração de aceitação determinada pelo receio das consequências negativas do não acatamento do acto. Tem aqui aplicação todo o regime da falta e vícios da vontade (art. 240.º e ss. CC).
Neste âmbito, a jurisprudência tem entendido que a aceitação do acto, para ser perfeita, tem de ser feita num contexto em que o particular tenha um conhecimento perfeito do conteúdo do acto e da sua eventual ilegalidade, requisito que vem complementar a exigência de que a aceitação seja posterior ao acto (art. 56.º, n.º 1 in fine CPTA). Garante-se, assim, que o particular conheça o conteúdo final do acto, aceitando-o de forma esclarecida, pelo que não deve bastar a mera possibilidade formal desse conhecimento.
Para além disso, também o Conselheiro Carlos Cadilha entende que não existe aceitação quando, atenta a situação fáctica, outro comportamento não era exigível ao particular, visto que a rejeição total do acto agravaria a sua posição jurídica global de forma inaceitável.
Por fim, refira-se apenas que a doutrina tem vindo a defender a aplicação do princípio de que protestatio contra factum non valet no que toca à formulação de reservas, ou seja, não basta uma mera reserva formal da faculdade de impugnar, devendo a mesma ser desconsiderada se o comportamento concludente apontar no sentido da aceitação do acto.

André Marques
Nº 17177, subturma 3

O Contencioso Pré-contratual Urgente

O contencioso pré-contratual urgente é um processo especial urgente de impugnação. A designação serve para qualificar os actos administrativos praticados durante os procedimentos de formação de contratos, de direito público ou de direito privado, que são celebrados pela Administração Pública.
O CPTA instituiu um regime dualista de contencioso administrativo pré-contratual, remetendo a sua impugnação para um de dois regimes: o primeiro, para a acção administrativa especial, como regra; segundo, para o regime do processo urgente de contencioso pré-contratual para situações especificadas.
De acordo com a articulação entre o disposto nos arts. 46º, nº3 e 100º, nº1 do CPTA, o regime da tramitação especial urgente apenas é aplicável à “impugnação de actos relativos à formação dos contratos aí especificamente previstos”, e não para a impugnação de todo e qualquer acto pré-contratual. Estabelece-se assim um regime específico para a impugnação contenciosa dos actos administrativos praticados no âmbito do procedimento de formação e determinados tipos de contratos, nomeadamente, os contratos de empreitada de obras públicas, de concessão de obras públicas, de prestação de serviços e de fornecimento de bens.
O contencioso pré-contratual tem duas características distintas: primeiro, tem um prazo mais curto de impugnação dos actos pré-contratuais; segundo, tem uma tramitação acelerada. O facto de se tratar de um processo urgente, não visa reforçar garantias dos particulares, nem acautelar um “periculum in mora” em que, eventualmente, se encontre a pretensão do autor. Na verdade como refere o Dr. Pedro Gonçalves, se pensarmos na hipótese de evitar a celebração de um contrato, nestes casos, existe efectivamente um “periculum in mora”, mas o mesmo não é prevenido por um processo principal, ainda que com uma tramitação mais rápida. A tutela da sua pretensão, reclama sim, um sistema de providências cautelares que permitem, para além de mantê-lo no procedimento, impedir a celebração do contrato. É por isso que, apesar da existência deste processo, o CPTA tenha consagrado no art.132º uma providência cautelar relativa a procedimentos de formação de contratos.
O procedimento pré-contratual urgente visa a satisfação do interesse público e o interesse no início da execução dos contratos públicos. A razão de ser reside na circunstância de os contratos em causa encontrarem-se abrangidos pelo âmbito de aplicação de duas Directivas Comunitárias (Directivas dos Conselho nº89/655/CEE, de 21 de Dezembro, e nº 92/13/CEE, de 25 de Fevereiro), que exigem que os Estados-membros da U.E. criem condições para a rápida resolução dos litígios que possam surgir a propósito dos procedimentos de formação daqueles contratos.
Quanto ao âmbito do processo, nos termos do art. 100.º, nº1 CPTA, o contencioso pré-contratual aplica-se à impugnação de actos relativos à formação daqueles contratos ali referidos. Neste domínio, o CPTA estruturou o processo fundamentalmente para situações em que se pressupõe existir um imperativo decorrente do direito comunitário da contratação pública, fazendo por isso, sentido que ele passe a abranger o contencioso pré-contratual de todos e quaisquer contratos precedidos dos procedimentos pré-contratuais de direito público.
Já quanto ao objecto do processo, o legislador não definiu certos aspectos que deveriam estar contemplados, nomeadamente a questão de saber se o processo urgente de contencioso pré-contratual, acolhe ou não as pretensões dirigidas à condenação à prática de actos administrativos.
Verifica-se, ainda, que o regime especial dos arts. 100.º a 103.º só cobre as situações de reacção contra actos administrativos de conteúdo positivo, pelo que, na eventualidade de o particular se encontrar perante eventuais actos de conteúdo negativo, terá que recorrer à acção especial de condenação à prática do acto devido, nos termos dos arts. 66.º e ss.
Também a questão da possibilidade de cumulação de pedidos no âmbito dos processos do contencioso pré-contratual deveria ficar clarificada. Neste sentido, poderia ficar claro que o processo acolhe pedidos cumulados de anulação de actos administrativos e de condenação à substituição do acto anulado por um outro.
Quanto aos prazos de propositura, o art. 101º do CPTA, coloca algumas dúvidas. O Dr. Pedro Gonçalves, esquematiza-os da seguinte forma:
1) Prazo de impugnação de actos nulos: aqui seria útil o legislador esclarecer se o prazo de um mês é um prazo de caducidade para reagir contra actos pré-contratuais nulos, ou se esse regime só vale para actos anuláveis. Todavia, não parece que esse prazo deva ser aplicado à impugnação de actos nulos, pois, o art. 134.º CPTA limita-se a reconhecer que tais actos não produzem quaisquer efeitos jurídicos, pelo que a respectiva invalidade pode ser declarada a todo o tempo e por qualquer tribunal.
2) Articulação entre impugnação administrativa facultativa e impugnação contenciosa: nos termos do art. 59º, nº4 a utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do acto administrativo. Nesta âmbito, o STA decidiu em recurso de revista, em consonância com o art. 100.º, que o disposto naquela norma se aplica ao processo urgente de contencioso pré-contratual.
3. Impugnação pelo Ministério Público: o CPTA não estabelece neste caso um prazo específico, mas parece claro, face à remissão contida no art.100.º, nº1, que o regime especial do contencioso pré-contratual é aplicável a todas as situações de impugnação dos actos mencionados naquele preceito, independentemente do concreto título de legitimação em que a propositura se baseia.
Verifica-se, assim, que também o MP está sujeito ao prazo de um mês do art. 101.º. Todavia, refere o Dr. Pedro Gonçalves que haveria vantagem num processo de revisão do CPTA em esclarecer naquele preceito que, no caso do MP, tal prazo conta-se a partir da prática dos actos.
Refira-se que o art.100.º estende o âmbito de aplicação daquele regime a actos jurídicos que não são actos administrativos pré-contratuais, equiparados para este efeito pelo CPTA. Tal sucede com o caderno de encargos e os demais documentos conformadores do procedimento de formação do contrato.
Por fim, a sua impugnação decorre de uma exigência comunitária, pelo que o CPTA conferiu legitimidade aos interessados, isto e, todos os participantes no procedimento pré-contratual têm legitimidade, sem que lhes seja exigido o preenchimento dos requisitos previstos nos nos 1 e 2 do art. 73.º.

Nair Cordas,
Nº17473, subturma 3

Características da tutela cautelar

Nota Histórica:

Até aos nossos dias a tutela cautelar no contencioso administrativo português permaneceu, assim, centrada, no instituto da suspensão da eficácia de actos administrativos (único tipo de providência cautelar que se encontrava consagrada no nosso contencioso administrativo até 1985). Porém a forma como esse instituto foi concebido para funcionar torna-o um instrumento acessório em relação a processos de anulação de actos administrativos, ele só se apresenta apto a proporcionar tutela cautelar efectiva nos casos em que o interessado apenas se oponha a uma inovação de conteúdo lesivo que tenha sido introduzida por um acto de conteúdo positivo. O referido instituto constitui, por isso, o meio típico de tutela cautelar, vocacionado para funcionar no domínio da impugnação anulatória de actos administrativos (de conteúdo positivo).
Já se pelo contrário, estiver em causa a actuação processual de uma posição jurídica de conteúdo pretensivo, dirigida à prática de um acto administrativo, o mecanismo da suspensão não é capaz de proporcionar uma tutela cautelar efectiva, uma vez que, não tem o alcance de antecipar, ainda que a título provisório, a constituição de uma situação jurídica nova, diferente daquela que existia no momento da prática do acto cujos efeitos se pretendem ver suspensos.
Actualmente, o artigo 112.º introduz uma cláusula aberta, nos termos da qual “quem possua legitimidade para intentar um processo junto dos tribunais administrativos pode solicitar a adopção da providência ou das providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo”.
O artigo 112.º, n.º 2, admite, entretanto, que as providências cautelares a adoptar possam ser as providências típicas que se encontram especificadas no CPC, com as adaptações que se justifiquem. E apresenta um elenco exemplificativo de outras providências que passam a poder ser adoptadas.

Passando ao tema principal podemos dizer que as providências cautelares caracterizam-se fundamentalmente pelos traços da instrumentalidade, da provisoriedade e da sumariedade:

-  As providências cautelares são instrumentais em relação ao processo principal significa que, o processo cautelar só pode ser desencadeado por quem tenha legitimidade para intentar um processo principal e se definir por referência a esse processo principal, em ordem a assegurar a utilidade da sentença que nele virá a ser proferido (artigo 112.º, n.º 1). Desta forma, podemos dizer que as providências cautelares encontram-se assim totalmente dependentes do processo principal de facto. Mas é claramente afirmada no artigo 113.º, n.º 1, se o processo cautelar for intentado em momento anterior ao da instauração do processo principal, ele é intentado “como preliminar” (artigo 113.º, n.º 1) e, por isso, as providências cautelares que vierem a ser adoptadas caducam se o requerente não fizer uso, no prazo de três meses, do meio principal adequado (artigo 123.º, n.º 2). Pelo mesmo motivo, as providências também caducam se o processo principal estiver parado durante mais de três meses por negligência do interessado ou se nele vier a ser proferida decisão transitada em julgado desfavorável às suas pretensões (artigo 123.º, n.º 1).
- A providência cautelar é por natureza provisória, ou precária, pois pode a todo o tempo ser alterada ou revogada pelo tribunal, na pendência do processo principal, como se estabelece no artigo 124.º, n.º 1 do CPTA. Designadamente por ter sido proferida, no processo principal, decisão de improcedência de que tenha sido interposto recurso com efeito suspensivo (artigo 124.º, n.º 3).

É correntemente afirmado o princípio de que o tribunal não pode dar, através da concessão de uma providência cautelar, o que só à sentença final cumpre proporcionar, se vier a dar provimento às pretensões deduzidas no processo principal. Esta afirmação deve ser, porém, entendida com precaução. O que, em princípio, a providência cautelar não pode fazer é antecipar, a título definitivo, a constituição de situações que só a decisão a proferir no processo principal pode determinar a titulo definitivo, em tais condições que essa situação já não possa ser alterada se, no processo principal, o juiz chegar, a final, a conclusões que não consintam a sua manutenção. Por conseguinte, se o interessado pretender a obtenção de licença para demolir um imóvel ou de autorização para realizar uma manifestação, o tribunal não pode impor, como providência cautelar, que a licença ou a autorização sejam concedidas.
Quando o periculum in mora possa comprometer o efeito útil do processo principal o que é necessário é obter, com carácter de urgência, uma decisão sobre o mérito da questão colocada no processo principal. Tal decisão já não pertence, porém, ao domínio da tutela cautelar, mas ao domínio da tutela final urgente, e só pode ter lugar se se preencherem os pressupostos de que depende a utilização de processos principais urgentes especificamente instituídos na lei, como a intimação para protecção de direitos, liberdade e garantias que intervém, como diz o artigo 109.º, n.º 1, quando não seja possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar.

- Um último traço característico das decisões que são tomadas em sede cautelar é o da Sumario cognitio.
Para decidir se confere ou não tutela cautelar e, em especial, para apreciar se, na esfera do requerente, se preenchem ou não os requisitos do periculum in mora e do fumus boni iuris, o tribunal deve proceder a meras apreciações perfunctórias, baseadas num juízo sumário sobre os factos a apreciar, evitando antecipar juízos definitivos que, em princípio, só devem ter lugar no processo principal.
Isto decorre da especial urgência que encobre as providências cautelares, que levam a que o requerente apenas terá que fazer prova sumária do direito que lhe assiste, nos termos do artigo 114.º, n.º3, alínea g) do CPTA, demonstrando com um juízo de probabilidade ou verosimilhança variável conforme o tipo de providência que se requeira - veja-se os diferentes requisitos  que se têm de encontrar reunidos, a serem provados, mediante prova sumária, pelo requerente no artigo 120.º do CPTA - que o direito que fundamenta a providência existe.
Com efeito, a tutela cautelar só será efectiva se os tribunais forem capazes de a proporcionar em tempo útil; e essa capacidade será tanto menor quanto maior for o tempo consumido na indagação de questões que, em sede cautelar, não devem ser objecto de uma análise aprofundada, mas apenas apreciadas de modo perfunctório.
A sumariedade preside, reconhecidamente, à apreciação da possibilidade de o requerente vir a ter êxito no processo principal (fumus boni iuris). O mesmo deve, no entanto, vale também para a apreciação do periculum in mora.

Conclusão:

Como expressamente resulta do artigo 268.º, n.º 4, da CRP, não só os direitos subjectivos, mas também os interesses legalmente protegidos, estão cobertos pela garantia de tutela jurisdicional efectiva, que se estende ao plano da tutela cautelar. Isto significa que não se pode negar o direito à tutela cautelar dos titulares de interesses legalmente protegidos com o argumento de que, de acordo com as normas substantivas, eles não têm um direito subjectivo à constituição (ou conservação) de uma vantagem, mas só um interesse legalmente protegido, porquanto dependente do exercício de poderes discricionários por parte da Administração.
Cumpre ter sempre presente que o objecto do processo cautelar não se confunde com o do processo principal, precisamente porque, um e outro, desempenham funções que, entre si, são diferenciadas.
Se a adequada ponderação dos critérios previstos no artigo 120.º conduzir, no caso concreto, à conclusão de que a solução que melhor acautela a situação do interessado, sem que daí resultem danos desproporcionados para os demais interesses envolvidos, é a de permitir que, a título provisório, ele se comporte, na pendência do processo, como se tivesse visto deferida a sua pretensão, não se vê por que razão não há-de o tribunal poder adoptar a providência.
Basta, para o efeito, que se reconheça que, ao fazê-lo, o tribunal está a estabelecer uma mera regulação provisória autónoma para o caso, que apenas se destina a valer até ao momento em que a Administração venha a produzir a regulação devida, no exercício dos seus poderes discricionários.
As providências cautelares têm características típicas: a instrumentalidade  -  isto é, a dependência, na função e não apenas na estrutura, de uma acção principal, cuja utilidade visa assegurar; a provisoriedade  -  pois que não está em causa a resolução definitiva de um litígio; e a sumaridade – que se manifesta numa cognição sumária da situação de facto e de direito, própria de um processo provisório e urgente.

Bibliografia:

Almeida, Mário Aroso de – “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, 4ª Edição, Almedina, 2005.

Andrade, José Carlos Vieira de – “ A Justiça Administrativa”, 10ª Edição, Almedina

Declaração de ilegalidade por omissão

A declaração de ilegalidade por omissão surgiu com a reforma do Contencioso Administrativo.
A sua existência tem como propósito a reacção de omissões ilegais de emissões de regulamentos.
Paulo Otero, na sequência da defesa deste mecanismo por João Caupers já antes da reforma propriamente dita, propôs em âmbito de discussão pública da reforma, a existência de um “mecanismo análogo ao da fiscalização da constitucionalidade por omissão”.
Surgiu, neste sentido, em sede de acção administrativa especial, a possibilidade de, pedir a apreciação de ilegalidade por omissão de normas regulamentares devidas. Ainda que essa omissão resulte de forma directa (pela omissão expressa de uma concreta lei) ou indirecta (através da remissão implícita para o poder regulamentar, em virtude da incompletude ou inexequibilidade do acto legislativo em questão), à luz do art. 77º- 1 CPA, este mecanismo assemelha-se possível em pedido de acção especial.
Após a verificação de existência do dever de regulamentar e julgada a ilegalidade decorrente da omissão do seu cumprimento, o efeito da sentença, de acordo com o nº 2 do já referido art., prevê que se deve dar conhecimento à autoridade competente num prazo não inferior a seis meses, para que a omissão seja suprida.
Esta norma tem vindo a ser objecto de crítica pela doutrina, nomeadamente pelo Prof. Vasco Pereira da Silva, que considera que a falta de alcance da norma é notória, ainda que louve a criação do mecanismo por parte do legislador aquando da reforma.
De todo o modo, parece que estamos perante uma norma de carácter meramente declarativo, ainda que o verdadeiro propósito de ser uma sentença condenatória própria esteja ainda por se verificar.
Na opinião do Sr. Prof., pode haver efectivamente uma eficácia cominatória destas sentenças, para além da eficácia declarativa, se acompanhadas da fixação de uma sanção pecuniária compulsória, aquando do processo declarativo.
Já relativamente à legitimidade que segue este tipo de acção, é possível verificar a remissão para o regime geral, nomeadamente paras as regras gerais de legitimidade da acção para defesa de direitos, da acção pública e da popular, uma vez que não encontramos no código um regime específico para a mesma.
Será de entender que a alegação de “prejuízo sério” constitui a posição jurídica subjectiva do particular e constitui o fundamento de alegação do pedido em causa.

Silva, Vasco Pereira da – “ O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanáise”, 2ª Edição, Almedina.